Aos 92 anos, morreu na manhã de ontem, 8 de agosto, na cidade de Batatais (SP), o bispo emérito Dom Pedro Casaldáliga, da Prelazia de São Félix do Araguaia (MT). Conhecido internacionalmente pela incansável defesa dos direitos humanos, da reforma agrária, da Amazônia e dos direitos dos povos indígenas, Dom Pedro Casaldáliga foi um dos instituidores do Fundo Brasil de Direitos Humanos, em 2006.
Dom Pedro nasceu na região da Catalunha, na Espanha. Tendo vindo para o Brasil em 1968, adotou o país e dedicou a sua vida à defesa dos direitos de brasileiros marginalizados no campo. Instalando-se na Amazônia, a partir dos anos 70, viu as fronteiras agropecuárias se expandirem para as regiões Centro-Oeste e Norte do país, testemunhando a crescente devastação da floresta e as ameaças às populações locais.
Ícone da Teologia da Libertação, seu lema “nada possuir, nada carregar, nada pedir, nada calar e, sobretudo, nada matar” inspirou e orientou todo o seu trabalho como líder religioso e defensor do direito à terra de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e trabalhadores rurais. Durante mais de cinco décadas, usou a sua voz para denunciar o trabalho escravo, a degradação do meio ambiente e os conflitos fundiários. “É preciso ter a possibilidade de viver dignamente da terra, para acabar com o trabalho escravo, o subemprego e a mão de obra barata no campo”, afirmava.
Escritor e poeta, Dom Pedro Casaldáliga deixa um legado de mais de 100 obras que assinou como autor ou co-autor. Menos de dois anos após chegar ao Brasil, em plena ditadura militar, publicou Escravidão e Feudalismo no Norte de Mato Grosso, onde denunciava as péssimas condições de trabalho enfrentadas pelos camponeses. Traduzidas para várias línguas, as publicações sempre foram instrumento de sua militância, abordando a Teologia da Libertação, a esperança e a luta por um mundo de justiça e paz.
Sua poesia se fazia presente até mesmo nas mensagens encaminhadas à equipe do Fundo Brasil, que sempre recebia, em versos, palavras de estímulo e inspiração para o trabalho na defesa de direitos.
Dom Pedro foi perseguido ao longo de toda a sua vida por conta de sua resistência às violações de direitos humanos. Durante a ditadura militar, foi alvo de cinco processos de expulsão do Brasil. Na época, contou com a intervenção do arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns. “A própria repressão estimulava a nossa responsabilidade por todo o panorama. Não podíamos prescindir de falar de terra, censurar o governo, criticar a polícia. O que era evidente para a nossa consciência poderia se transformar num grito para os outros que buscavam a libertação”, certa vez recordou.
Mesmo com a retomada democrática do país, as tentativas de intimidá-lo não diminuíram. Nos últimos anos, sofreu diversas ameaças de morte.
Acreditava que o modelo de desenvolvimento do país é equivocado: “Todos os grandes projetos, por definição, já são antipopulares e antieconômicos. São para a acumulação acelerada de capital e investimento. Para o povo, fará falta o ritmo normal de vida, enquanto os elefantes brancos ficam por aí, como a transposição do rio São Francisco e Belo Monte. É a obsessão do grande e do imediato”, refletia. Em entrevista à equipe do Fundo em 2011 foi enfático ao afirmar:
“Continuamos sendo latifúndio há 500 anos. Continuamos sendo exclusão e violência no campo, acumulação de terra. Continuamos sendo agronegócio, o latifúndio travestido. Continuamos sendo tóxicos, depredação”.
Nos anos recentes, embora Dom Pedro acreditasse que vinha se criando uma nova consciência em relação a direitos humanos, sabia “que, em certa medida, os direitos humanos ainda são luxo e privilégio de alguns, que se veem mais humanos que outros humanos. E, por outro lado, quando as condições de vida humana são muito precárias, a própria dignidade humana fica proibida; há muita gente que vive a pensar apenas na sobrevivência”.
A relevância de Dom Pedro para o campo dos direitos humanos é inegável. Mas para o Fundo Brasil, Dom Pedro representa também carinho e dignidade permanentes, na figura do homem que viveu os seus princípios em sua plenitude. Sua ausência deixará um vazio, sem dúvida, mas seus ensinamentos seguirão inspirando a cada um de nós.
O Fundo Brasil de Direitos Humanos lamenta profundamente a morte de seu querido instituidor. Toda a nossa equipe se une neste momento às pessoas ao lado das quais Dom Pedro Casaldáliga caminhou ao longo da vida para reverenciar a sua trajetória.
Viva Pedro Casaldáliga, simplesmente!