A comunicação é um direito humano fundamental. O movimento por seu reconhecimento como tal se deu ao longo do século XX, na medida em que o fluxo de informações começou a tornar-se cada vez maior. Organizações internacionais como a Unesco, com o chamado Relatório MacBride (também conhecido como Um mundo e muitas vozes) passaram a reconhecer esse direito, que significa garantir que as pessoas devem poder e ter condições de se expressar livremente, produzir e fazer a informação circular.
Na garantia desse direito, entram questões econômicas, sociais e políticas que impõem a desigualdade também nesse lugar, limitando as condições para todas, todes e todos serem produtores e difusores de informação pela concentração dos meios de comunicação e de recursos econômicos.
Pessoas comunicadoras populares e independentes, especialmente aquelas que são defensoras de direitos e da justiça climática, enfrentam todo tipo de cerceamento para exercer seu direito à comunicação, inclusive ameaças à própria vida. Segundo Isabelle Lima, editora-chefe do Tapajós de Fato, “A gente acaba muitas vezes se perdendo com essa necessidade de denunciar, e não nos preocupamos com a nossa segurança no dia a dia. A depender de como a gente comunica, faz esse trabalho, colocamos em risco não só as nossas vidas, mas de tantos companheiros e companheiras. […] A comunicação é uma ferramenta de luta e resistência, surgimos muito por isso.”
Com o entendimento de que a comunicação é cada vez mais uma ferramenta estratégica na defesa de direitos e na produção e difusão de informações que garantam visibilidade a causas e vozes, o Fundo Casa Socioambiental promoveu, em parceria com a Rede Comuá, o Fundo Brasil, a Comissão Pastoral da Terra e o Tapajós de Fato, o encontro “Rodas de Conversa: Comunicação, Direitos Humanos e Justiça Climática”.
Foram convidados a participar do evento, que reuniu quatro mesas temáticas e durou dois dias, pessoas comunicadoras que atuam com direitos socioambientais na região da Amazônia Legal e do Matopiba (área formada majoritariamente por Cerrado, que abrange as regiões do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).
98 representantes de movimentos e coletivos de comunicação estiveram presentes em Brasília, em agosto, debatendo o direito à comunicação em torno de temas como fortalecimento da democracia, combate à desinformação, estratégias de defesa e segurança coletiva de defensores de direitos humanos, fortalecimento da agenda da comunicação popular na Amazônia Legal e no Matopiba, apoios e financiamento para coletivos e organizações de comunicação.
Foram dois dias de escuta sobre a comunicação popular que se produz hoje nessas duas regiões, voltada à defesa de modos de vida e direitos. Esta comunicação, descentralizada, autônoma e diversa, se mostra vital para enfrentar a contranarrativa que viola os direitos nos territórios. A intenção do encontro foi promover espaço para abordagem de questões que permeiam o fazer dessas pessoas comunicadoras de coletivos e movimentos da Amazônia e do Matopiba, efetuando uma escuta ativa para, futuramente, estudar mecanismos de financiamento filantrópico focados na comunicação como direito humano, com vistas a promover a possibilidade de acesso a recursos, além de possibilitar o fortalecimento da rede de apoio entre estas organizações.
Estiveram presentes às mesas de debate integrantes do Coletivo Tapajós de Fato, Coletivo Intervozes, Amazônia Real, Coletivo Proteja, Comissão Pastoral da Terra, Agência Tambor, Rede de Jovens Comunicadores Indígenas da COIAB, Casa Ninja Amazônica, Rede de Notícias da Amazônia, Agência Pública, Movimento Escazú Brasil, Artigo 19, Escola de Ativismo, Repórteres Sem Fronteiras além de representantes do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania – Nilmário de Miranda (Assessoria Especial da Defesa da Democracia, Memória e Verdade) e Luciana Pivatto (Coordenação do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas), Sandra Carvalho, do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, financiadores da Oak Foundation, Porticus Foundation, Fundação Ford, Fundo Brasil de Direitos Humanos e membros da Rede Comuá.
As vozes que ecoaram da plateia se encontraram em pontos comuns, cruciais para a comunicação popular em seus territórios. Dentre eles a necessidade de fortalecer o protagonismo amazônida e dos territórios do Matopiba e Cerrado na comunicação, em oposição a narrativas de outras regiões do país, que se impõem sobre esses territórios desconsiderando suas dinâmicas e realidades.
Raione Lima, da Comissão Pastoral da Terra do Pará, destacou que a “Comunicação não deve ser algo à parte, mas sim parte dessa luta. Como estratégia na defesa da terra, dos povos, do meio ambiente. A filantropia tem que pautar isso, trazer propostas em que a gente construa novas narrativas, que enfrentem a comunicação que está no mercado hoje, dos grandes centros, dos grandes poderes. A gente enfrenta esse cenário construindo outras narrativas, que sejam também positivas, que não sejam só para comunicar o que acontece de ruim nos territórios.”
Especificamente em relação a acesso a recursos, pontos que surgiram foram a necessidade de levar em consideração o custo Amazônia em apoios a projetos na região, reconhecendo as longas distâncias e os desafios de logística de captação, produção e distribuição de comunicação. O que se desdobra em repensar lógicas de financiamento a essa comunicação popular no que diz respeito à forma como os recursos são doados, processos de monitoramento de resultados e como os apoios financeiros podem apoiar as iniciativas que já acontecem nos territórios.
Outros pontos que emergiram da escuta dizem respeito à promoção de saúde mental e à inclusão de comunicadores e comunicadoras em iniciativas de proteção de pessoas defensoras de direitos.
Agora, as organizações realizadoras do evento se preparam para dar continuidade ao debate e também para pautar o campo da filantropia sobre a necessidade de apoio a iniciativas e a estes profissionais de comunicação e seu importante papel na defesa da democracia, dos direitos humanos e também nos direitos da natureza. Um dos produtos deste encontro deve se concretizar em uma publicação compacta a ser lançada ainda em 2023, que trará os principais desafios, gargalos e oportunidades para o setor.