“Eu sou mulher branca, de cabelos castanhos na altura dos ombros, visto calças e blusa azul-marinho e estou levemente maquiada”. Assim, Ana Claudia Mendes de Figueiredo, idealizadora e co-fundadora da Rede Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, a Rede-In, iniciou a participação no painel “Políticas públicas no campo do trabalho digno e proteção social: ferramentas de justiça social” em seminário promovido pelo Labora – Fundo de Apoio ao Trabalho Digno. As primeiras palavras trouxeram um exemplo sutil de atenção negada a pessoas com deficiência ao longo da vida.
A Rede-In reúne 14 coletivos que trabalham pela defesa e promoção dos direitos das pessoas com deficiência. Exerce o advocacy nos três poderes para a formulação de políticas públicas inclusivas e junto a sociedade em geral na luta contra o capacitismo.
Ana Cláudia trouxe ao público os dados da Pnad Contínua 2022 (IBGE) que jogam luz sobre as barreiras de acesso ao trabalho digno no país. Enquanto a taxa de ocupação de pessoas sem deficiência alcançou 60,6%, a de pessoas com deficiência chegou a apenas 26,6%. Mais da metade das pessoas com deficiência estão no trabalho informal, 55%, enquanto 38,7% das pessoas sem deficiência estão na informalidade.
Barreiras que são ainda maiores para as mulheres. Nos dados da PnadC sobre a renda, o marcador social de gênero opera para o aprofundamento da desigualdade. Homens com deficiência (R$ 2.157) receberam mensalmente cerca de 27% a menos que os homens sem deficiência (R$2.941). Mulheres com deficiência (R$1.553) receberam aproximadamente 34% a menos do que as sem deficiência (R$ 2.347).
O marcador racial aparece desde o ponto de partida, na educação. Cerca de 50% da população preta e parda sem deficiência com 25 anos ou mais concluiu o Ensino Básico. A escolarização na mesma etapa desaba para cerca de 23% de pessoas negras com deficiência.
“Essa pesquisa evidencia que pessoas com deficiência têm menor acesso à educação, trabalho e renda. Estas dificuldades são agravadas se tivermos sobrepostos outros marcadores sociais. A falta de acesso ao trabalho digno no Brasil tem cor, gênero e também a condição da deficiência”, disse Ana Cláudia.
A reversão deste quadro, para a idealizadora da Rede-In, depende do enfrentamento e derrota do capacitismo e o fortalecimento da Lei Brasileira de Inclusão. Criada em 2015 com a colaboração dos movimentos sociais, a lei afirma competir ao poder público a garantia da dignidade da pessoa com deficiência ao longo de toda a vida. Ana Cláudia defende a ampliação do número de auditores fiscais do trabalho para a fiscalização do cumprimento da legislação e a criação e fortalecimento de redes de apoio para acolher as pessoas resgatadas em situação análoga à escravidão.
“A inclusão de pessoas com deficiência nos diversos âmbitos da vida é ainda, para a maioria dessa população que é majoritariamente pobre, um sonho. É um sonho que depende do trabalho da sociedade, que depende do trabalho dos poderes públicos, um sonho que depende de todos nós”, concluiu.
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