No município de Açailândia, Maranhão, no lixão do Barra Azul, a busca da catadora Antonia da Silva Manço, e de outras 68 pessoas, é por objetos que possam se transformar em sustento para a família. “A gente junta papelão, plástico, latinha, cobre e todo material reciclável e vai lá, para a Imperatriz, vender. De vez em quando tem roupa, brinquedo, comida. Então a gente ganha outras coisas também”, explica a recicladora.
Em meio às montanhas de materiais diversos descartados pela população, alguns resíduos servem para ser reciclado e vendido. No entanto, outros trazem sérios riscos, como pedaços de vidro estilhaçados, lixo hospitalar, substâncias tóxicas que podem gerar diversas doenças.
“Foi assim, separando lixo, que consegui cuidar dos meus 17 irmãos. Mas não é um trabalho fácil. A gente sabe do risco para saúde, para vida. Mas essa é a nossa profissão. Somos catadores. A gente pega o que ninguém mais quer e dá uma nova forma, sabe?”, conta Antonia.
O lixão de Açailândia, localizado a 562 km da capital São Luís, surgiu junto do nascimento do bairro, há quase duas décadas, mas está prestes a fechar. Dentro do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, a Lei 12.350 que prevê o fim dos lixões e aterros controlados no país, está em vias de encerrar essas atividades no bairro Barra Azul.
Na cidade maranhense, o prazo vem sendo postergado desde agosto de 2016, ano em que Antonia e os outros catadores decidiram organizar a categoria. Eles foram os primeiros a se manifestarem para que não fossem apenas expulsos.
“A gente não podia deixar o lixão fechar e a gente perder tudo. Era dali que a gente tirava o sustento. Além disso, várias famílias moravam ali. Como iriam fazer? Foi aí que a gente se uniu para ir atrás dos nossos direitos.”
Surge a Associação na busca por direitos
A Associação de Catadores/as de Materiais Recicláveis de Açailândia – ASCAMAREA. foi a principal resposta da categoria contra a liminar judicial de 2016.
“Quando chegou o mandado de fechamento do lixão, vimos que cada pessoa, separada, não ia ter força para falar para o município que lá existiam pessoas morando e trabalhando, que não podiam simplesmente nos descartar e tirar de lá”, explica Antonia, que hoje é a presidente da ASCAMAREA.
Enquanto organização de catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis, a associação pretendia garantir preferência na contratação, pelo município, para coleta e reaproveitamento de produtos recicláveis, assim como a valorização de suas atividades.
“Por estatuto, apenas catadores compõem a associação. A ASCAMAREA queria estar no processo e ser lembrado a cada passo. O objetivo do nosso trabalho é que o município de Açailândia e o estado do Maranhão cumpram com a Política Nacional de Resíduos Sólidos, incluindo os catadores e catadoras como sujeitos ativos nesse processo”, diz Mariana de la Fuente, responsável pela captação de recursos da associação.
Desde o início, a ASCAMAREA conseguiu se estruturar juridicamente e tem buscado formações em direitos humanos, organização comunitária e mecanismos de acesso à justiça.
Associação vai virar Cooperativa
No ano de 2023, com o apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos as recicladoras e recicladores deram um passo a mais para se consolidar e estruturar suas ações.
Com os recursos do Edital Geral 2023 – Reconstruindo Direitos: Caminhos para Justiça Social, conseguiram se fortalecer institucionalmente e dar início às obras do galpão, onde futuramente, pretendem fundar uma cooperativa para recebimento dos materiais, triagem e destinação final dos resíduos sólidos para reciclagem.
“Conseguimos os primeiros equipamentos e algumas máquinas. Com o apoio do Fundo Brasil demos início à construção da base do nosso galpão e vamos nos equipar ainda melhor. Já conseguimos também elaborar o plano estratégico sobre como irá funcionar a nossa cooperativa”, explica Antonia. “Também conseguimos inserir os catadores que moravam no lixão no Programa Municipal Habitacional”, explica a presidente.
Após iniciar a coleta seletiva, na modalidade de cooperativa, a associação pretende também integrar a Rede Estadual de Cooperativas de Catadores e Catadoras e, também, incidir, com mais peso, nas políticas ambientais do Estado.
“Temos hoje também assessorias de formação política, financeira e de direitos humanos para incidência popular. Tudo com o apoio de vocês”.
Agora, a Associação de Catadores/as de Materiais Recicláveis de Açailândia também foi contemplada no Edital Fortalecendo Trabalhadores Informais na Luta por Direitos. Este é o segundo edital do Labora – Fundo de Apoio ao Trabalho Digno. Com o apoio, o grupo pretende ainda em 2024 virar oficialmente uma cooperativa.
“O apoio do Fundo Brasil é maravilhoso e fundamental. Permite o acesso a coletivos e organizações que mais precisam, como o nosso, que são aqueles que ainda estão se constituindo, para poder avançar nas suas causas, tão diversas e importantes, para uma justiça e desenvolvimento sustentável global”, complementa Mariana.
Para Antonia, além de melhores condições de trabalho, associação tem a função de preservar o planeta. “Queremos que nossos filhos, nossos netos vejam o quanto foi possível crescer e realizar por nós e pela proteção do solo, das águas, da natureza. Nós somos parte importante que colabora para a vida das futuras gerações. Estamos incidindo hoje na melhora das políticas ambientais de nosso estado, pensando no futuro de todos”, finaliza.