Cerca de 70% das mulheres brasileiras assassinadas são vítimas no âmbito de suas relações domésticas; de acordo com pesquisa do Movimento Nacional de Direitos Humanos
As desigualdades de gênero no Brasil se expressam de inúmeras formas. Conforme o “Contra-informe da sociedade civil ao VI Relatório Nacional Brasileiro à Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher – CEDAW”, referente ao período 2001 – 2005, e apresentado às Nações Unidas em julho de 2007, uma em cada quatro mulheres no Brasil já foi vítima de violência doméstica. A cada 15 segundos uma mulher é espancada, via de regra, por seu marido, companheiro, namorado e/ou ex parceiro; a cada 15 segundos também uma brasileira é forçada a ter relações sexuais contra sua vontade. 70% das agressões ocorrem dentro de casa e o agressor é o próprio marido ou companheiro; mais de 40% das violências resultam em lesões corporais graves decorrentes de socos, tapas, chutes, queimaduras, espancamentos e estrangulamentos. Cerca de 70% das mulheres brasileiras assassinadas são vítimas no âmbito de suas relações domésticas; de acordo com pesquisa do Movimento Nacional de Direitos Humanos.
No campo da participação política das mulheres, o Brasil vem se mostrando como um dos mais atrasados. De acordo com o relatório divulgado pelo Fórum Econômico Mundial (2005), o Brasil figurou em 51º lugar no ranking entre 58 países, numa escala de medida de 1 a 7 (1 para maior desigualdade e 7 para menor) recebendo 3,29 pontos. Dentre as áreas críticas analisadas, a pior avaliação do país foi justamente no campo da participação política, em que as brasileiras ocuparam o penúltimo lugar (57°). A presença feminina na Câmara Federal é de 45 deputadas, 8,8% do total.
De acordo com a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE, de janeiro de 2008, entre as mulheres trabalhadoras, 59,9% possuíam 11 anos ou mais de estudo e, entre os homens, 51,9% tinham esta escolaridade. No entanto, o rendimento das trabalhadoras com nível superior equivalia a 60% daquele atribuído aos homens com igual escolaridade. No total dos trabalhadores, o rendimento das mulheres equivale a 71,3% do dos homens A diferença também ocorre em relação ao percentual de trabalhadoras(es) com carteira assinada: 37,8% entre as mulheres e 48,6% entre os homens.
Para todos os indicadores acima, a condição da mulher negra é agravada.
Os mesmos fatores sócio-culturais que condicionam a situação da mulher na sociedade brasileira à realidade descrita pelos números, produzem conseqüências profundas quando relacionadas ao professorado dos sistemas de ensino.
É comum ver nas páginas dos jornais e nos discursos dos governantes a responsabilização do professorado pela insuficiência da qualidade do ensino, alegando formação deficiente, absenteísmo e falta de compromisso pessoal com a carreira A conseqüência imediata é a ausência da participação dos docentes nos debates públicos e na formulação das políticas, ficando na mão dos órgãos centralizados e dos especialistas o papel de conceber e formular ações pedagógicas, relegando ao professorado o papel mecânico de aplicar tais ações.
O quadro de precarização das condições de trabalho e desqualificação da imagem social docente é melhor compreendido quando se verifica que, se consideradas todas as etapas e modalidades da educação básica, 81,6% dos professores que estavam em regência de classe são mulheres e somam mais de um milhão e meio de docentes (1.542.925), conforme divulgado pelo Ministério da Educação em 2009 no documento “Estudo exploratório sobre o professor brasileiro”. Estudiosos da carreira docente já apontam que, além da feminização, o magistério vem sendo ocupado cada vez mias por pessoas da cor parda e preta.
No Brasil, em 2004, apenas 10,8% dos jovens entre 18 e 24 anos freqüentavam o Ensino Superior. Entre os brancos desta faixa etária, 16,4% estão matriculados neste nível de ensino, enquanto entre os negros, apenas 5,1%. No entanto, estudo divulgado em novembro de 2008, revela que mesmo após a adoção de sistema de cotas para a população negra, adotado por algumas universidades públicas, as pessoas brancas são maioria em todos os cursos, exceto nas licenciaturas – cursos destinados à formação docente -, onde as pessoas negras representam 51% dos alunos. O Censo Educacional de 2007 revela que em um total de 1.288.688 docentes com nível superior completo, que correspondem a 68,4% do conjunto de docentes atuando na educação básica, 1.160.811 (90%) possuem licenciatura, onde a maioria são professoras pardas ou pretas.
Nossa hipótese é que estamos verificando no terreno ideológico um deslocamento que merece atenção dos que defendem a educação pública na perspectiva dos direitos humanos. Nas décadas de 60 e 70, quando crianças e adolescentes pobres ficavam fora ou eram expulsos precocemente da escola, o que ocorria era principalmente a culpabilização dos próprios alunos e suas famílias pelo fracasso escolar. Os intelectuais críticos da educação cansaram de denunciar as teorias do “déficit cultural”, por meio das quais se tentava então justificar o desinteresse ou dificuldades da população pobre em relação à escolarização.
No novo cenário, os/as professores/as passam a ser o principal “bode expiatório” dos insucessos dos sistemas de ensino, recebendo a pecha de incompetentes e/ou descomprometidos em grande parte do discurso de gestores e da imprensa. Parece evidente que tal deslocamento tem a ver com a mudança no perfil sócio-econômico do professorado decorrente da massificação da escola. Este passa a ser composto por uma parcela cada vez maior de mulheres oriundas das classes populares, com participação crescente de afro-descendentes.
Diante desse cenário, impõem-se o desafio de compreender e denunciar os significados políticos e conseqüências pedagógicas desse processo de culpabilização dos professores e, principalmente, de fazer frente a ele produzindo uma contra-idelogia nos marcos dos direitos humanos, da democracia e da justiça social. É fundamental desenvolver estudos, implantar políticas e apoiar iniciativas dos próprios professores e professoras que contribuam para a recriação de seu papel como educadores e servidores públicos, intelectuais ao mesmo tempo autônomos e comprometidos com um projeto republicano de educação pública de qualidade para todos.
(Sérgio Haddad, Mariangela Graciano e Vera Masagão são assessores da Ação Educativa)