A luta de três décadas do povo Tapeba pela demarcação da terra indígena no município de Caucaia, no Ceará, é simbólica para a causa dos índios no país. São 30 anos de dificuldades, conflitos fundiários e resistência , o que inclui mortes, perseguições, discriminação e preconceito.
“Caucaia não consegue se ver como um município que tem população indígena”, afirma Weibe Tapeba, presidente da Copice (Coordenação das Organizações e Povos Indígenas do Ceará).
Em meio a avanços e recuos na luta pelo direito à terra indígena, os Tapeba constroem uma história de resistência às violações de direitos humanos.
O Fundo Brasil apoia projeto da Acita (Associação das Comunidades dos índios Tapeba de Caucaia) que tem o objetivo de criar uma ampla rede de articulação para responsabilizar o estado brasileiro pelas violações dos direitos humanos, especialmente o direito à terra dos Tapeba no Ceará.
O apoio, oferecido por meio do edital “Litigância estratégica, advocacy e comunicação para promoção, proteção e defesa dos direitos humanos”, possibilita, por exemplo, a autonomia para que os indígenas estruturem suas mobilizações – assembleias, visitas a comunidades, divulgação de informações e de campanhas. Antes, dependiam da ajuda da Funai para isso.
“O projeto também deu uma contribuição muito grande para a questão da visibilidade desse caso emblemático. Mas a luta não termina por aí. Ela é permanente”, diz Weibe.
A área indígena de 5,8 mil hectares tradicionalmente ocupada pelos Tapeba está delimitada, mas ainda não reconhecida e demarcada. Mais de sete mil Tapeba vivem no território. Segundo eles, a área original era de 36 mil hectares.
Em fevereiro deste ano foi assinado um termo de acordo que visa acelerar o processo de demarcação. O termo foi assinado por representantes da União, da Funai, do estado do Ceará, do município de Caucaia, da comunidade indígena e dos ocupantes de uma parcela da área reivindicada pelos indígenas. O acordo determina uma concordância entre as partes sobre os limites da terra indígena e a desistência de interposição de recursos e contestações.
A primeira identificação da terra indígena feita pela Funai ocorreu em 1986 e, de lá para cá, os Tapeba enfrentam uma complicada batalha jurídica e administrativa que impediu a regularização da área e causou conflitos.
“Muita gente morreu”, lembra o presidente da Copice. Os conflitos causaram também a criminalização de lideranças indígenas e apoiadores.
Ele relata que os indígenas viveram vários anos em um cenário de vulnerabilidade, sem qualquer segurança jurídica, com ocupações irregulares das terras por não índios.
Foram realizadas 26 retomadas de terras indígenas pelos Tapeba e houve um longo processo de construção de escolas indígenas até que o estado assumisse a responsabilidade. Muitas escolas começaram embaixo de árvores até que tivessem a estrutura adequada.
A ocupação da sede da Funai na região, o bloqueio de rodovias e manifestações em frente a órgãos públicos são ações que fazem parte da mobilização dos Tapeba.
A tensão em torno da área reivindicada é alimentada por interesses particulares ligados a grandes empreendimentos e pelo fato de o território ser cortado por rodovias estaduais e federais, gasoduto, ferrovia e linha de transmissão de energia elétrica.
Os Tapeba lutam também pela preservação ambiental do território, alvo de degradações ao longo do tempo.
Na história deles há inclusive um longo período que os antropólogos definem como silenciamento étnico, caracterizado pelo fato de os próprios povos indígenas negarem suas características culturais.
Até a década de 1980, o Ceará era dado pelos registros da Funai e por levantamento de antropólogos e missionários como um dos estados brasileiros em que não existiam mais índios. A população indígena no Ceará foi dada como extinta em 1830, o que viabilizou toda a forma de perseguição.
Na década de 1970, a publicação de uma matéria jornalística mostrando os indígenas como fadados ao extermínio no Ceará por falta de atenção dos órgãos públicos motivou uma repercussão em torno do assunto e a atuação da Igreja Católica no papel de assessoramento, organização política e social das comunidades.
A partir disso, os Tapeba começaram o levante. A luta pela preservação da identidade protagonizada por eles fez com que a presença indígena no estado deixasse de ser ignorada. Hoje, há o reconhecimento de que cerca de 30 mil indígenas vivem no Cará, divididos em 14 povos.
Com o acordo assinado em fevereiro, os Tapeba acreditam que finalmente poderão conseguir a demarcação de suas terras. Caso contrário, vão denunciar o Brasil à OEA (Organização dos Estados Americanos).
A expectativa depois da demarcação é o retorno de famílias indígenas para o território, com o fortalecimento das comunidades.
Constituição
De acordo com a Constituição Federal, os povos indígenas detêm o direito originário e o usufruto exclusivo sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Mesmo assim, povos indígenas em várias regiões do país enfrentam diversas violações na luta pela terra.
O procedimento demarcatório das terras tradicionalmente ocupadas tem várias fases. As terras delimitadas, como é o caso das ocupadas pelos Tapeba, são as que tiveram os estudos aprovados pela presidência da Funai e que estão na fase do chamado contraditório administrativo ou em análise pelo Ministério da Justiça para decisão sobre expedição de Portaria Declaratória da posse tradicional indígena.
Fundo Brasil
O Fundo Brasil trabalha para promover os direitos humanos e sensibilizar a sociedade para que apoie iniciativas capazes de gerar novos caminhos e mudanças significativas para o país.
A fundação disponibiliza recursos para o apoio institucional e para atividades de organizações da sociedade civil e de defensores de direitos humanos em todo o território nacional.
Em quase dez anos de atuação, já destinou R$ 11,7 milhões a cerca de 300 projetos em todas as regiões do país.
Além da doação de recursos, os projetos selecionados são apoiados por meio de atividades de formação e visitas de monitoramento.