A abertura dos países árabes virá de dentro para fora e será capitaneada pela elite intelectualizada e pela sociedade civil. A previsão é do libanês Fouad Hamdan, um dos mais conhecidos militantes de direitos humanos do Oriente Médio, que qualifica a região como a menos democrática do mundo.
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“Governos autoritários só podem ser derrotados internamente. A mudança tem que vir de dentro. Se esperarmos até que tanques americanos invadam todos os países não-democráticos, só teremos mais desastres como o Iraque”, disse à Folha Hamdan, fundador de uma ONG que ajuda a levantar fundos para movimentos civis nos países árabes.
O militante, que está em São Paulo como convidado do Fundo Brasil de Direitos Humanos, diz que mudanças já estão engatadas, embora ainda sejam discretas e silenciosas.
“As coisas estão evoluindo graças às pessoas que estudam no exterior e regressam aos países de origem para exercer altos cargos. Voltam com outra cabeça, e isso está mudando a região”, afirma. Ele cita como exemplo os ultraconservadores países do golfo Pérsico, onde há cada vez mais mulheres no governo e nas empresas.
Hamdan também vê nas camadas populares uma crescente mobilização dos movimentos civis e afirma que os cidadãos, religiosos como laicos, se cansaram das décadas de opressão e “perderam o medo de confrontar as autoridades”.
Segundo ele, os regimes sírio e egípcio, que estão entre os mais repressores, já não têm cadeias em número suficiente para prender opositores cada vez mais arrojados. Ele cita ainda os gays libaneses, que vêm afirmando abertamente sua sexualidade, apesar da proibição.
“Precisamos de centenas de “[Nelson] Mandela” (ativista sul-africano que liderou a luta pelo fim do regime segregacionista do apartheid) e pessoas dispostas a se arriscar, a ser presas e torturadas, ou até mesmo mortas’, diz Hamdan.
Sem democracia
Apesar dos avanços, o libanês afirma que a situação dos direitos humanos na região ainda “é um desastre”. “Não há um governo árabe democrático sequer. São todos regimes ditatoriais. Todos matam, uns mais e outros menos.”
O militante diz que nem países onde há eleições livres, como Iraque e Líbano, podem ser considerados democracias por causa da violência sectária, que se sobrepõe sistematicamente aos interesses comuns.
O pior regime árabe, segundo ele, é o do Sudão, acusado por alguns governos de cometer massacres deliberados de civis na região separatista de Darfur.
Ex-jornalista e fundador da seção libanesa da ONG ambiental Greenpeace, ele atribui o atraso democrático dos árabes a dois fatores: sistemas educacionais falidos e o incessante clima de guerra.
“Os 400 anos de ocupação otomana deixaram uma região sem educação e muito pobre. Depois, houve até os anos 50 a colonização francesa e britânica, que inventou fronteiras malucas e criou Israel. Aí a guerra se instalou de vez, tornando-se desculpa para os regimes árabes imporem leis especiais e massacrar a oposição”, diz Hamdan, que vê o extremismo islâmico como um agravante nesse contexto.
Segundo o libanês, a região é a única a regredir social e economicamente. “A pobreza está aumentando, assim como o analfabetismo. Metade das mulheres na região não sabe ler.”
Aos céticos segundo os quais a abertura do mundo árabe poderia levar ao poder grupos como o Hamas, Hamdan manda um recado: “Se islâmicos ganham uma eleição, os deixemos governar, conforme o povo escolheu. Se fizerem coisas boas, ótimo. Se não, serão desalojados no pleito seguinte”.