O Eixo Cultural Ibero-Americano (antiga Funarte), em Brasília, ganhou uma só cor e milhares de vozes, representando tantos outros milhões de quilombolas espalhados pelo Brasil.
“Estamos empretecendo Brasília com nossos quilombos, para mostrar que nós existimos, resistimos e que lutaremos por nossos direitos, territórios e corpos”, disse Águida Marina Ferreira, da Coordenação Estadual de Mulheres do Quilombo do Estado de Minas Gerais Mariana Crioula.
Assim como Águida, mais de 3 mil quilombolas de 22 estados e do Distrito Federal participaram, nesta quarta-feira (10), do Aquilombar, um ato político-cultural na capital do país, realizado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), para debater a regularização dos territórios quilombolas, combater o racismo e cobrar os direitos negados a essas comunidades ancestrais.
“O Ato Aquilombar vem primeiro denunciar o desmonte das políticas públicas feitas pelo Governo às comunidades quilombolas. O segundo objetivo é demonstrar força, mostrar que nosso povo existe, que estamos vivos e não vão nos matar”, afirma Jhonny Martins de Jesus, diretor administrativo da Conaq.
A ação é resultado da união de esforços de representantes quilombolas de diferentes territórios, onde a Conaq está presente e de parceiros, que ajudaram a custear as despesas de infraestrutura e logística para os grupos se deslocarem até o encontro.
O Fundo Brasil de Direitos Humanos foi uma das organizações apoiadoras da Conaq no Ato Aquilombar. “Deu tudo certo! Mas sem os nossos parceiros, realizar essa mobilização seria impossível”, enalteceu Jhonny.
“Essa é a demonstração viva do trabalho que temos realizado junto com o Fundo Brasil. O apoio de vocês proporcionou que vários estados estivessem aqui. Estados que não tinham qualquer recurso. Nesse momento de tamanha crise, foi fundamental a parceria com o Fundo Brasil para que essas representações pudessem aquilombar”.
Demandas dos territórios em debates
Além de apresentações culturais, que trouxeram a força das danças e dos batuques dos tambores para renovar as energias, a programação contou com painéis temáticos para debater os principais desafios enfrentados pelos quilombolas em seus territórios, como educação escolar quilombola, racismo e violências contra juventudes e mulheres, agricultura quilombola, previdência social e regularização fundiária.
“A regularização é uma das principais pautas do movimento, porque somente assim teremos acesso pleno ao nosso território ancestral, teremos o direito efetivado, do título enquanto território quilombola”, ressalta a advogada Josilene Sousa dos Santos, do Quilombo Angelim II, de Conceição da Barra, no Espírito Santo.
Nos cálculos da Conaq, 1.748 pedidos de comunidades quilombolas pela regularização aguardam análise no Incra. Além disso, 55 processos aguardam conclusão de titulação. Essa ausência de regularização dificulta o acesso das comunidades a políticas públicas e a linhas de crédito para adquirir equipamentos agrícolas.
“Quando nós temos o território assegurado, temos liberdade para seguir com nossa educação e nossa cultura. Teremos o direito pleno de ir e vir e de lutar por saúde, cultura, garantindo acesso à tecnologia e a os outros direitos fundamentais”, conta a advogada.
Além dos debates sobre os desafios no território, os manifestantes realizaram uma plenária geral em uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, para debater a situação das comunidades em todo o país.
Manuel Oliveira dos Santos, saiu do Quilombo Mumbaça, para participar do ato. A comitiva do Alagoas viajou por pouco mais de dos dias para estar no encontro. Para ele, todo o esforço é compensado ao sentir sua voz sendo ouvida.
“Nós chegamos aqui e vamos além. Para nós, esse momento foi desafiador. Mas nunca foi fácil para a gente. E o que isso nos representa? Representa o quanto precisamos estar unidos, organizados pelo nosso povo, pelo nosso futuro. Ao Fundo Brasil, quero agradecer pelo fortalecimento que tem levado à nossa organização Gangazumba em Alagoas e por permitir que nosso trabalho não acabasse”, disse emocionado.
Marcha rumo ao Congresso Nacional
Após o almoço, servido pela Conaq, os mais de 3 mil quilombolas, seguiram em direção ao Congresso Nacional, onde foi realizado um ato político.
Na caminhada de quase 3 km, representantes quilombolas de cada estado subiam no carro de som para bradar em nome de seu território.
Logo adiante, com bandeiras e bandeirões, representando suas comunidades e entoando canções tradicionais, o gramado em frente ao Congresso foi tomado pelos participantes, que protestavam suas reinvindicações com microfones e tambores.
“A partir de agora, o enfrentamento das comunidades quilombolas será ainda maior. Aqui recarregamos as nossas baterias, principalmente para os momentos das eleições, um ano que vai precisar muito das nossas forças e da nossa ancestralidade. Lutar pelos nossos direitos só é possível quando nos fortalecemos e agora estamos ainda mais fortes e unificados”, finalizou Jhonny Martins de Jesus.