Uma noite como não se presenciava há mais de dois anos, devido ao distanciamento social. Foi um encontro para matar a saudade, celebrar a vida e unir forças para continuar a lutar por ela.
O chão de lançamento do edital Enfrentando o Racismo a partir da Base 2022 foi a Aparelha Luzia, centro cultural que se define como quilombo urbano, na região central da capital paulista.
O período de envio de propostas para o edital foi aberto e vai até o dia 8 de julho, às 18 horas (horário de Brasília). O resultado do processo de seleção será informado por meio do site do Fundo Brasil a partir de 1º de setembro de 2022.
Será doado o valor total de R$ 1 milhão para pelo menos 20 iniciativas de base focadas em defesa de direitos da população negra. Cada grupo pode receber até R$ 50 mil.
Ao lado da equipe do Fundo Brasil, artistas, grupos apoiados, admiradores do trabalho e nomes importantes da luta antirracista no país debateram, na terça-feira, dia 24 de maio, sobre as perspectivas e oportunidades atuais para fazer avançar a busca por equidade no país. Entre as/os convidadas/os estavam representantes de movimentos sociais, de coletivos de defesa de direitos, de fundações e institutos financiadores de projetos, muitas e muitos parceiros de longa data do trabalho do Fundo Brasil de Direitos Humanos.
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“Não é possível pensar em um caminho de Brasil sem considerar as questões raciais”. Rosane Borges
“A luta antirracista ganha um vetor importante neste contexto árido para a gente reposicionar tudo o que o Estado destruiu. Mas não é possível a gente pensar em um caminho de Brasil sem considerar as questões raciais e antirracistas como centrais”, destacou Rosane Borges, jornalista, professora e idealizadora da Escola Online Longa, durante sua fala no evento.
Rosane acredita que o apoio deste edital do Fundo Brasil pode representar, inclusive, o impulso para superar este momento de fortes ataques aos direitos humanos e à democracia. “A força deste apoio mostra como a gente pode, a partir de iniciativas que são pequenas, reposicionar o conceito de vida, de país, de Estado e de pensar em como fazer o futuro que está bloqueado”.
O debate de lançamento do edital também recebeu Preta Ferreira, militante do movimento por moradia, artista e autora do livro Minha Carne: Diário de Uma Prisão; Nathália Oliveira, socióloga e coordenadora da Iniciativa Negra Por uma Nova Política de Drogas e Felipe Brito, diretor da Ocupação Cultural Jeholu.
“Esse é o momento da gente se proteger”. Preta Ferreira
Em “Minha Carne – Diário de Uma Prisão”, Preta Ferreira reúne memórias dos 108 dias em que passou presa sem provas na Penitenciária Feminina de Santana, em São Paulo. Na obra, a artista traz reflexões sobre as injustiças do sistema prisional. Para a publicitária, a única maneira de o ciclo se romper é com o fortalecimento dos grupos que têm em sua pauta a defesa da população preta.
“Ficamos abandonados durante dois anos e estamos sobrevivendo. E são fundos como esse (Fundo Brasil) que servem também para a gente se proteger. Esse é o momento da gente se proteger. Quantos de nós são ameaçados por fazer a justiça social acontecer neste país? Por isso, a gente precisa cuidar mais da gente mesmo”, afirmou Preta. “Há um ciclo vicioso que a gente precisa quebrar, que é esse ciclo de matar, prender e escravizar pessoas pretas. É o ciclo vicioso do racismo. Que esse edital também sirva para a gente incentivar o nosso povo a ser livre”.
“O desmonte da guerra às drogas será reparação histórica para povo negro”. Nathália Oliveira
A Iniciativa Negra Por uma Nova Política de Drogas é uma organização da sociedade civil que atua, desde 2015, pela construção de uma agenda de justiça racial e econômica promovendo ações de advocacy em Direitos Humanos e propondo reformas na atual política de combate às drogas. A organização recebe apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos.
Durante o encontro, a coordenadora do grupo, Nathália Oliveira, explicou por que lutar por uma nova política é fundamental para acabar com um sistema que diariamente que extinguir vidas negras.
“Falar de uma política de drogas, é falar do fim da guerra às drogas, porque a guerra posta às drogas, é como uma cortina de fumaça camuflando a sua verdadeira intenção. A guerra às drogas hoje é um dos principais mecanismo de manutenção da opressão sobre os corpos negros”, reforçou a ativista.
“O nosso trabalho trata de rever o sistema de justiça, de segurança pública, de saúde, de assistência social, de habitação, a educação para o uso de drogas, políticas para as juventudes, políticas de geração de renda, as mudanças nos territórios. E, mais do que isso, se trata de pensar no dia seguinte. O desmonte da guerra às drogas será reparação histórica para povo negro”.
“A luta do coletivo de matrizes africana é sobretudo a luta antirracista”. Felipe Brito
Felipe Brito, idealizador e diretor da Ocupação Cultural Jeholu, levou aos participantes qual o papel da religião no debate de direitos humanos e no enfrentamento ao racismo contra religiões de matriz africana.
“O que nós estamos fazendo aqui, é justamente o que esse edital propõe, que além da gente fortalecer a base, fortalecemos também a rede para defender tudo o que é atropelado pelo racismo. Quando a gente fala de coletivos de matrizes africanas, a gente tem diferentes grupos, somos diversos, mas nos munimos de uma mesma força, porque a luta do coletivo de matrizes africana é sobretudo a luta antirracista”.
O convidado também ressaltou como os terreiros são espaços de afeto, acolhimento e entendimento político e de enfrentamento das desigualdades raciais e sociais do país. “O terreiro não se constrói no individual, mas sim no coletivo. Quando nós fortalecemos institucionalmente as comunidades tradicionais de matrizes africanas, estamos fortalecendo todas as existências vulneráveis deste país estão recorrendo há muito tempo. O terreiro sempre construiu política”.
Enfrentando o Racismo a partir da Base 2022
O edital Enfrentando o Racismo a partir da base é realizado com apoio da Warner/Blavatinik Social Justice Fund.
Allyne Andrade, superintendente adjunta do Fundo Brasil explicou que a decisão de ter um edital voltado para o fortalecimento institucional das organizações da luta antirracista veio a partir da escuta direta com as organizações de base.
“O Fundo Brasil tem entendido, desde a pandemia, que é importante a gente fortalecer a permanência e existência das organizações, entendendo também que no contexto de pandemia e de pós-pandemia agora, a gente tem diversas emergências. Os grupos nos apontam essa necessidade. É nesse momento que a gente precisa de uma sociedade civil forte. Pela sustentabilidade dessas organizações, a gente está fazendo esse edital de novo com recurso de natureza flexível”, detalhou.
Isso significa que os recursos podem ser usados da forma como o grupo proponente considerar adequado para garantir a sustentabilidade de suas atividades de promoção e defesa de direitos humanos dentro da pauta do enfrentamento ao racismo.
Este é o terceiro edital específico do Fundo Brasil voltado para o enfrentamento ao racismo.
“Foi em 2018 que a gente começou a ter uma linha específica de enfrentamento ao racismo, quando a gente resolveu angariar recursos para confrontar esse tipo de situação. O segundo edital foi em 2020. Mas esse tema sempre esteve presente em todos os editais e nas ações do Fundo Brasil. Justamente por acreditar que essa é a forma de fazer, a forma de apoiar, fazendo com que as coisas avancem nessa temática, que a gente lança hoje um terceiro edital dentro desse tema”, disse Ana Valéria Araújo, superintendente do Fundo Brasil, na abertura do evento.
Sobre o Fundo Brasil de Direitos Humanos.
O Fundo Brasil é uma fundação independente e sem fins lucrativos, que tem como missão promover o respeito aos direitos humanos no país, criando mecanismos sustentáveis, inovadores e efetivos para fortalecer organizações da sociedade civil e para desenvolver a filantropia de justiça social.
Por meio de editais e de fundos emergenciais, a fundação promove uma seleção isenta de iniciativas populares voltadas à defesa de direitos. Além do apoio financeiro, os projetos também contam com acompanhamento qualificado de nossa equipe no sentido de fortalecer o trabalho, com respeito às especificidades e estratégias de cada coletivo, e de consolidar redes de ação.
“Em tempos tão desafiadores como estes, o mais importante é a gente entender que tudo o que a gente faz é com as pessoas, pelas pessoas e para as pessoas. E, pensar em direitos humanos, sem cuidar das pessoas, não faz o menor sentido. E é muito importante que a gente lembre que existem pessoas por trás das causas. E a gente precisa cuidar das pessoas. Por isso, o trabalho do Fundo Brasil cresce a cada dia”, destacou a presidente do Conselho de Administração do Fundo Brasil, Mafoane Odara.