É fato que a pauta LGBTQIA+ vem ganhando força nos últimos anos, nas esferas sociais, políticas, acadêmicas, entre outras. Ainda assim, a realidade das pessoas LGBTQIA+ está longe de ser perfeita ou pacífica no Brasil. Isso é comprovado, principalmente, pelos dados da violência sofrida por essa população, como consequência da LGBTFobia.
Com a adesão da sociedade ao Dia Internacional Contra a Homofobia, celebrado no dia 17 de junho e a partir da lei que criminaliza a homofobia em 2019, houve grandes avanços. Mas há muito a se fazer ainda. Quer saber mais sobre o assunto? Continue a leitura.
O que é LGBTFobia?
O termo LGBTfobia tende a não ser tão utilizado ou conhecido, já que, normalmente, usa-se outro sinônimo para nomear o ódio à população LGBTQIA+: homofobia.
Originalmente, o termo homofobia refere-se apenas à violência e hostilidade contra homossexuais, que são as lésbicas e os gays. Mas, a utilização do termo se popularizou e, hoje, é considerado por muitos uma forma correta de definir o ato de ódio a outros grupos, como afirmou Maria Berenice Dias, Presidente da Comissão da Diversidade Sexual do Conselho Federal da OAB: “Homofobia é o ato ou manifestação de ódio ou rejeição a homossexuais, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais”.
Aqui no blog, nós já explicamos as diferenças e significados de todas as siglas do LGBTQIA+, e ressaltamos a importância de diferenciá-las e conhecê-las, a fim de gerar mais visibilidade para cada grupo. Alguns outros exemplos de termos próprios são:
- Bifobia: descreve a aversão ou a discriminação contra bissexuais.
- Lesbofobia: refere-se exclusivamente ao preconceito e a violência contra mulheres lésbicas.
- Gayfobia: refere-se exclusivamente ao preconceito e violência contra homens gays.
- Transfobia: termo utilizado para classificar atitudes ou sentimentos negativos e/ou violentos contra pessoas trans, o que inclui travestis, transexuais e transgêneros.
LGBTfobia é crime?
Desde 2019, a homofobia é criminalizada no Brasil. A determinação está atrelada à Lei de Racismo (7716/89), que hoje prevê crimes de discriminação ou preconceito por “raça, cor, etnia, religião e procedência nacional”.
A prática da lei contempla atos de “discriminação por orientação sexual e identidade de gênero”. Por isso, ainda que usado o termo de homofobia para definir essa lei, todas as outras pessoas LGBTQIA+ são contempladas.
LGBTFobia e a violência
Quando o assunto é LGBTfobia, uma das dificuldades encontradas é a falta de estatísticas oficiais. Enquanto em vários países, como dos Estados Unidos, preocupa-se em levantar dados que ajudem a entender a realidade das pessoas LGBTQIA+ local, o Brasil toma poucas atitudes em relação a isso.
Em 2006 houve a apresentação da lei de criminalização da LGBTfobia, o PLC 122/2006. No entanto, o projeto foi arquivado em 2014, já que o governo não concordou em realizar uma audiência com representantes do movimento LGBT.
Alguns estados, como o Rio de Janeiro, produzem relatórios sobre violência motivada por LGBTfobia, mas essa não é uma prática comum e não existe em nível federal. Sendo assim, é necessário recorrer ao trabalho de organizações não-governamentais para obter dados sobre LGBTfobia no Brasil.
Cerca de 20 milhões de brasileiras e brasileiros (10% da população), se identificam como pessoas LGBTQIA+, de acordo com a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT). Cerca de 92,5% dessas pessoas relataram o aumento da violência contra a população LGBTQIA+, segundo pesquisa da organização de mídia Gênero e Número, com o apoio da Fundação Ford.
Ainda segundo a pesquisa, esses dados estão atrelados à última eleição presidencial do Brasil, em 2018. De lá pra cá, 51% das pessoas LGBTQIA+ relataram ter sofrido algum tipo de violência motivada pela sua orientação sexual ou identidade de gênero. Destas, 94% sofreram violência verbal. Em 13% das ocorrências as pessoas sofreram também violência física.
A pesquisa revela ainda que, em comparação com os Estados Unidos, por exemplo, as trans brasileiras correm um risco 12 vezes maior de sofrer morte violenta do que as estadunidenses. Esse é apenas um dos levantamentos que apontam o Brasil como o país que mais mata pessoas trans.
O Relatório Mundial da Transgender Europe mostra que, de 325 assassinatos de transgêneros registrados em 71 países nos anos de 2016 e 2017, um total de 52% – ou 171 casos – ocorreram no Brasil.
LGBTfobia: além da violência física
O lema do mencionado relatório emitido pela Transgender Europe é de que os assassinatos motivados por LGBTfobia são apenas a “ponta do iceberg”.
Com base nos dados obtidos pelas denúncias recebidas por meio do Disque 100, iniciativa do Ministério dos Direitos Humanos, em 2017, identificou-se que a maior parte das denúncias das pessoas LGBTQIA+ diz respeito à violência psicológica. Essa categoria inclui atos de ameaça, humilhação e bullying.
A pesquisa ainda aponta que a LGBTfobia é a terceira maior causa para bullying. Além disso, a Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil de 2016 apontou que 73% das e dos estudantes LGBTQIA+ já relataram terem sido agredidos verbalmente e outros 36% fisicamente. A intolerância sobre a sexualidade levou 58,9% das/os alunas/os que sofrem agressão verbal constantemente a faltar às aulas pelo menos uma vez ao mês.
Em segundo lugar nas denúncias de LGBTQIA+ ao Disque 100 estão os crimes de discriminação – por conta do gênero e/ou sexualidade de um indivíduo em diversas esferas, como na da saúde e do trabalho. Já em terceiro lugar está a violência física – que inclui desde a lesão corporal até o homicídio.
Estima-se que jovens rejeitados por sua família por serem LGBTQIA+ têm 8,4 vezes mais chances de tentarem suicídio. Essa estatística se traduz em outra: dentre adolescentes, lésbicas, gays e bissexuais têm até cinco vezes mais chances de tirarem a própria vida do que as/os heterossexuais.
Além disso, ao falar especificamente de pessoas trans, a violência sexual recebe destaque no Disque 100 e está diretamente ligada ao alto número de mortes. Todos os dados do Disque 100, você encontra em: https://dados.gov.br/dataset/balanco-disque-100.
Amplamente marginalizadas pela sociedade, as trans muitas vezes ainda recorrem à prostituição como forma de sobrevivência. Nessa realidade, tais indivíduos tornam-se mais vulneráveis à violência sexual, que acaba sendo um dos principais motivos para a expectativa de vida das trans ser de 35 anos, de acordo com levantamento da associação europeia TransRespect em 72 países.
Como lutar contra a LGBTFobia?
O fato de as causas LGBTQIA+ aparecerem cada vez mais nas mídias, por exemplo, aumenta a visibilidade desse grupo e permite que diálogos sobre a LGBTfobia sejam iniciados. Com isso, questionamentos sobre como combater a intolerância contra esses grupos tornaram-se mais comuns.
Uma das maneiras de combate à LGBTfobia é por meio de políticas públicas – instrumento que possibilita aos governantes promover ações em busca da garantia de direitos de diversos grupos da população. Entretanto, para que tais políticas públicas sejam efetivas, é necessário que o Estado realmente compreenda o problema da LGBTfobia e tal compreensão só pode ser obtida por meio de dados. Como já foi mencionado, o Brasil falha em recolher informações sobre a realidade da sua população LGBTQIA+ e isso resulta na impossibilidade de pensar políticas públicas para combater a violência contra esse grupo.
O Estado buscou realizar ações contra a LGBTfobia por um tempo. Um exemplo foi o programa Brasil sem Homofobia, lançado em 2004, que gerou a iniciativa Escola sem Homofobia. A ação constituía na distribuição de um material didático que orientaria os professores na tarefa de educar alunos sobre “valores de respeito à paz e à não-discriminação por orientação sexual”. Em 2011, quando o material estava prestes a ser lançado, a pressão de setores conservadores da sociedade aumentou e o material foi suspenso.
O Fundo Brasil atua na defesa dos direitos e contra a LGBTFobia, por meio do apoio e incentivo a grupos e organizações criados para lutar junto com as pessoas LGBTQIA+. Os projetos que apoiamos são coordenados por pessoas que já sofreram com a LGBTFobia e que, hoje, buscam evitar que outras pessoas tenham os seus direitos violados, única e exclusivamente por sua orientação sexual.