
Foto: Alex Borja/ Acervo Fundo Brasil
Ainda são muitas as veias abertas na América Latina. Matas derrubadas e queimadas. Fumaças tóxicas colorindo céus azuis de um cinza bege e os pulmões, de manchas escuras. Mercúrio fazendo flutuar nas margens o que antes foi a vida nos rios e aumentando filas dos atendimentos médicos. Garimpos ilegais avançando sobre quintais, onde brincam crianças e mulheres de todas as idades debulham milho. Covas avolumam-se onde antes foi a Pindorama dos antepassados.
No Brasil de hoje, os direitos fundamentais dos povos indígenas seguem ameaçados por fatores como desmatamento, incêndios, grilagem, mineração, desconstrução de políticas públicas e a tese do marco temporal, que representam danos imensuráveis para a sobrevivência e agravam a vulnerabilidade dos territórios que deveriam estar protegidos.
Esses conflitos têm se intensificado significativamente e expõe um cenário de confronto contínuo aos direitos e à vida dos indígenas. Além dos ataques diretos, a não demarcação de terras, registram um atraso em 62% dos territórios reclamados e configura uma forma de violência estrutural, conforme texto publicado pelo Greenpeace.
Por isso, a demarcação de terras indígenas representa para toda comunidade muito mais do que apenas a denominação de suas terras. Esse processo legal, conforme previsto pela Constituição Federal de 1988, é a garantia para que os povos indígenas tenham seus direitos respeitados.
Além de autonomia e proteção, a definição geográfica garante território mais seguro e estável para que as comunidades possam se desenvolver socialmente preservando suas culturas, gerir seus recursos naturais e ter acesso a políticas públicas específicas, como serviços de saúde e educação voltados para as necessidades indígenas, garantindo uma vida digna e respeitosa dentro da comunidade.
Mas, o que muda de imediato quando uma terra indígena é demarcada?
Além das garantias de direitos humanos fundamentais, tais como saúde, educação, preservação étnica, segurança, direito ao desenvolvimento, moradia, entre outros aspectos sociais, a demarcação traz outro fator importante: a preservação do meio ambiente.
De acordo com reportagem publicada pela Revista Fórum, as terras indígenas também desempenham um papel central na preservação da biodiversidade e no combate às mudanças climáticas. “No entanto, a aprovação da Lei do Marco Temporal pode potencialmente resultar em uma perda de direitos indígenas às terras necessárias para sua subsistência e persistência”, destacam os pesquisadores da Universidade Federal de Goiás. Dados mostram que 85,7% das espécies ameaçadas de extinção são preservadas em terras indígenas. Nessa conta, as homologadas até 1988 abrigam 35,5%, enquanto 80,27% estão em terras homologadas após a Constituição e 74,8% em áreas ainda não reconhecidas oficialmente.
A demora no processo de demarcação tem levado a conflitos sérios nesses territórios, marcados pela ação criminosa de grileiros, madeireiras, agropecuária extensiva ilegal e outras ações extrativistas. É o caso dos povos indígenas Guarani Kaiowá em Douradinha (MS). Os indígenas retomaram o território, considerado ancestral da Terra Indígena (TI) Panambi-Lagoa Rica, em 13 de julho de 2024. A TI já foi reconhecida e delimitada, mas está com o processo demarcatório estagnado desde 2011, de acordo com reportagem publicada pelo portal Brasil de Fato.
O que é o marco temporal?
A tese do marco temporal é uma proposta à norma vigente de demarcação de terras indígenas. Essa proposta determina que os povos indígenas só poderiam reivindicar terras que ocupavam ou disputavam a partir da promulgação da atual Constituição (1988). Em 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que essa tese é inconstitucional gerando muita discussão e a aprovação do Projeto de Lei PL 2.903/2023, pelo Senado, que deu origem à Lei do Marco Temporal.
Ou seja, os indígenas perderiam o direito à demarcação de terras que, historicamente, foram suas, mas foram invadidas, ocupadas e exploradas indevidamente durante os séculos de colonização até os dias atuais.
Por conta disso, os povos têm enfrentado uma série de desafios que comprometem a sobrevivência social e cultural de toda comunidade. Em entrevista ao G1, o filósofo, ativista e escritor Ailton Krenak classificou a discussão sobre o Marco Temporal como uma excrescência jurídica que não quer ser considerada como um assunto constitucional. Ele ressaltou que o STF já decidiu o tema e identificou a pauta como inconstitucional.
E, em meio a um cenário político polarizado, com a crescente pressão do setor agropecuário e opressão de representantes indígenas, a situação é delicada. O futuro das terras indígenas depende de decisões políticas de povos não tradicionais e sem representações no âmbito do judiciário. Tem sido pauta recorrente sob análise indefinida do STF.
A demarcação de terras indígenas é uma ação que está diretamente ligada às questões de justiça, direitos humanos e sustentabilidade no Brasil. E por isso, é essencial que a voz dos povos indígenas seja ouvida e respeitada, reconhecendo seus direitos históricos e culturais.
Se você quer apoiar a causa, junte-se ao Fundo Brasil na luta pela defesa dos direitos dos povos indígenas. Só assim será possível construir um país mais justo e democrático, onde a diversidade dos povos originários seja valorizada e preservada.