No início de maio, Cida Gonçalves, Ministra das Mulheres, apresentou na Comissão de Defesa dos Direitos Humanos os programas do governo para o combate à desigualdade estrutural de gênero. Na ocasião, a ativista pontuou que combater o discurso de ódio é essencial para o enfrentamento da violência contra as mulheres, principalmente no ambiente virtual.
Uma das estratégias apresentadas pelo ministério para a redução dos números inquietantes inclui retirar a monetização dos canais misóginos com o objetivo de impedir que essas comunidades lucrem em cima dos crimes contra a vida das cidadãs brasileiras. “Nós precisamos evitar a monetização do ódio contra as mulheres. Eles não podem lucrar em cima de cada mulher morta, eles não podem lucrar em cima de cada violação sexual que meninas e mulheres estão sofrendo. Nós precisamos pensar, deputadas, em uma legislação que não permita isso”, enfatizou a ministra.
O espaço online tem se mostrado bastante hostil para grupos minorizados, dentre eles, as mulheres. A ascensão de grupos de ódio e a vulnerabilidade dos núcleos minoritários na internet são um dos principais motivos de preocupação dos movimentos e entidades que buscam a garantia dos direitos humanos, inclusive, quando se trata da luta pela vida das cidadãs brasileiras. Segundo o Governo, já foram detectadas 100 contas de perfis sociais no país – 80 canais de Youtube e 20 perfis no Tik Tok – voltadas para conteúdos misóginos e machistas que somam mais de oito milhões de seguidores e em torno de meio bilhão de visualizações.
Entre as contas monitoradas, muitas compactuam com o chamado “movimento Red Pill”, grupo digital que propaga discurso de ódio direcionado ao gênero feminino, além de pregarem, por meio de conteúdos, a ideia de superioridade masculina. A comunidade se tornou motivo de alerta para autoridades e educadores devido a grande adesão de usuários e o impacto que isso pode causar nas mulheres dentro e fora do ambiente virtual.
A questão da saúde mental feminina também é um tema bastante discutido quando olhamos para o perfil de jovens. A vulnerabilidade, principalmente, da geração Z feminina, também é motivo de alarde. De acordo com uma pesquisa, realizada em 2022 e divulgada neste ano pelo Instituto Ipsos, 26% das mulheres nascidas a partir de 1995 afirmam se sentir uma fraude, além de adquirir um quadro de baixa autoestima e ansiedade generalizada, devido à exposição nas redes sociais. Enquanto 73% declaram serem mais estressadas ou ansiosas por conta do uso das mídias, 59% temem não corresponder às expectativas após um elogio. O impacto é ainda maior ao longo prazo quando estão envolvidas questões emocionais. O convívio virtual diário potencializa os sintomas e torna as mulheres ainda mais suscetíveis a entrar em contato com ambientes tóxicos e até mesmo perversos.
A violência virtual é ainda mais agravante quando se trata de mulheres negras. Segundo uma pesquisa, desenvolvida em 2018 pelo brasileiro Luiz Valério Trindade, PhD em sociologia, 81% das mulheres negras entre 20 e 35 anos são alvos de discurso discriminatório nas redes sociais. Já outro estudo realizado pelo Instituto Marielle Franco, oito em cada dez cidadãs pretas que concorreram às eleições municipais em 2020 sofreram agressões nas redes sociais com mensagens de teor machistas e racistas, além de invasões durante as lives das quais participaram. O cenário não é diferente para as mulheres trans. Um levantamento realizado pela empresa Zygon, em 2021, apurou que 88,6% das menções a pessoas trans no Twitter são relacionadas a conteúdos de ódio e transfobia.
O ambiente virtual também tem criado novas formas de violência contra as mulheres. É o caso do “estupro virtual”, ato de ameaçar alguém para que pratique, em frente a uma webcam, atos sexuais. Apesar de não ser citado no código penal dessa forma, o delito é inserido dentro artigo 213, pela Lei 12.015/09, que afirma o estupro como “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. O crime em si não possui contato físico e sim o abuso psicológico incluindo constrangimento, chantagem e até ameaças. O primeiro caso tipificado ocorreu em 2018 e desde então vem chamando cada vez mais atenção da segurança pública.
Dados sobre a realidade feminina fora da internet evidenciam a necessidade de medidas para combater a violência de gênero. De acordo com o Mapa da Violência, entre 2017 e 2022, ao mesmo tempo que houve uma queda significativa dos homicídios em território nacional, os registros de feminicídios no Brasil aumentaram 37%. Como Cida Gonçalves apontou, é fundamental combater o preconceito a partir de sua origem, e hoje, dado o advento das redes sociais, é preciso uma maior fiscalização da internet para preservar a população feminina de possíveis abusos psicológicos e físicos.
Apesar da internet ser uma potencial inimiga das vozes de grupos e pessoas que reivindicam pelo que é garantido pela constituição, ela também pode ser uma grande aliada. O aplicativo Maria da Penha virtual foi desenvolvido em 2020, apenas para o Estado do Rio de Janeiro, com o intuito de incentivar denúncias de violência de gênero de forma mais segura. Desde então, foram mais de três mil pedidos de medidas protetivas e, até abril deste ano, 365 cidadãs usaram o serviço oferecido pela plataforma.
O Fundo Brasil de Direitos Humanos mantém iniciativas para apoiar organizações e lideranças que lutam pela vida das mulheres. Dentre as principais ações estão os 35 projetos em andamento, além dos finalizados, focados no direito das mulheres.
Conheça mais sobre as organizações apoiadas pelo Fundo Brasil aqui e saiba como apoiar essa causa.