Quando o primeiro neto nasceu, o casal formado por Rejane Borges de Moraes e Ricardo Moraes plantou um pé de pau Brasil como homenagem à criança no sítio que possuem em Brumadinho, Minas Gerais. O sítio foi planejado durante toda a vida dos dois. Eles trabalharam muito para conquistar esse pedaço de terra na zona rural mineira.
Além do pau Brasil, o lugar tem pés de mogno e 550 jabuticabeiras. Uma casa em que não faltam o pão de queijo e o bolo de fubá no forno e cachorros correndo livremente completam o legado que gostariam de deixar aos dois netos.
No entanto, Rejane e Ricardo estão cercados pela mineração. Uma lavra a céu aberto de minério de ferro avança no território antes formado por sítios e transforma a vida sonhada em pesadelo.
Só os dois resistem. Os onze vizinhos já foram embora, após aceitarem as ofertas financeiras da mineradora e venderem suas propriedades. Rejane e Ricardo ficaram e convivem diariamente com o barulho dos explosivos usados na empreitada e com o nervosismo provocado pelo avanço da empresa que chega cada vez mais perto da porteira.
Em breve, os dois serão vizinhos de uma pilha de dejetos. E já são obrigados a ver o córrego Samambaia mudar de cor por causa dos efeitos da mineração. Também assistem a chegada das máquinas dia a dia.
“Isso é tão violento. Como é que continua?”, questiona Maria Teresa Viana de Freitas Corujo, a Teca, educadora ambiental responsável pelo projeto “Água vale mais que minério no Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais”, desenvolvido pelo MovSAM (Movimento pelas Serras e Águas de Minas).
Apoiado pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos por meio do edital anual 2015, o projeto tem o objetivo de garantir a segurança hídrica no Quadrilátero Ferrífero com a realização de uma campanha que defende a água como direito humano essencial à vida em contraponto à destruição dos aquíferos pelas mineradoras.
Ao longo da campanha pela preservação da água, os ativistas do MovSAM encontraram histórias como a do casal de Brumadinho e as dos vizinhos que partiram por causa da mineração.
“O vizinho da casa azul contou chorando que precisou vender o sítio. Comprou um apartamento em Contagem (região metropolitana de Belo Horizonte) e foi embora”, conta Rejane.
Ela e o marido ficaram e ainda lutam nas instâncias possíveis: Ministério Público e conselhos. Mas estão no limite. Enfrentam muita pressão para deixarem o sítio das jabuticabeiras e pés de mogno.
“O Ricardo adoeceu, tem pressão alta, um aneurisma crescendo. Toma nove comprimidos por dia. Já fomos em todas as autoridades que você possa imaginar. Só falta o papa”, conta a mulher.
Nessa jornada de resistência, o casal já ouviu que o sítio vale menos do que eles pensam e que não adianta mais procurar ninguém porque o território será mesmo da mineração.
“Eu acreditava que viria alguém falar que isso não pode. Perdi a crença…”, lamenta Ricardo.
Megaprojetos
O Fundo Brasil apoia iniciativas que visem a defesa e a promoção dos direitos humanos de populações vulneráveis a impactos negativos resultantes de grandes obras de infraestrutura em todo o país. Fazem parte desse apoio as iniciativas que defendem populações violentadas por megaprojetos de infraestrutura relacionados ao desenvolvimento econômico e energético.
Entre os dias 8 e 9 de junho, Taciana Gouveia, coordenadora de Projetos do Fundo Brasil, visitou a Serra do Rola Moça, Casa Branca, Brumadinho, Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo (as duas últimas comunidades de Mariana) para acompanhar o trabalho desenvolvido pelo MovSAM.
O MovSAM foi criado em 2008 e enfrenta a hegemonia da mineração e seus impactos nas serras e águas de Minas Gerais. Articula ações que fortalecem os grupos que participam desse enfrentamento e trabalha para dar visibilidade aos problemas e conquistas relacionados à causa.
Em quase dez anos de atuação, o Fundo Brasil já destinou R$ 12 milhões a cerca de 300 projetos em todas as regiões do país. Além da doação de recursos, os projetos selecionados são apoiados por meio de atividades de formação e visitas de monitoramento.
A fundação já realizou mais de 150 visitas a projetos apoiados. Também realizou 20 oficinas de treinamento para representantes das organizações apoiadas.