Uma roda de conversa sobre comunicação encerrou o Encontro de Projetos do Edital específico sobre “Direitos humanos e desenvolvimento urbano”. Tendo como moderadora Letícia Osório, assessora de Programa da Fundação Ford, o debate deu voz a representantes de sete grandes organizações da sociedade civil com larga experiência no tema: Campanha Nacional pelo Direito à Educação; Conectas – Direitos Humanos; Greenpeace ; Intervozes; MST; Pública – Agencia de Reportagem e Jornalismo Investigativo; e Repórter Brasil.
Direito à comunicação
O primeiro a falar foi Pedro Ekman, do Intervozes. Ele apresentou a conjuntura da luta pelo direito à comunicação. Mesmo com as mudanças trazidas pela internet – a qual apenas 5% da população têm acesso -, Ekman aponta que a população brasileira em geral vem sendo tratada exclusivamente como público/consumidor do conteúdo produzido pelos meios de comunicação de massa, como rádio e TV.
Ekman compara o sistema de comunicação do Brasil com outros países. Segundo ele, o monopólio da comunicação privada instalado aqui permite que poucos proprietários concentrem desde a produção até a emissão do conteúdo; e/ou tenham em mãos simultaneamente vários veículos (rádio, TV, jornal, editora…). No Uruguai e na Argentina, os espaços estão divididos entre a iniciativa privada, organizações sem fins lucrativas e emissoras públicas. Já nos Estados Unidos, por exemplo, quem tem um jornal impresso não pode ter um canal de TV, o que, em alguma medida, possibilita uma maior diversidade de informações difundidas.
Vozes não oficiais
Representando A Pública – Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo, Natália Viana apresentou o que chamou de uma visão mais “otimista” do cenário atual. A agência tem como foco a produção e disponibilização gratuita de conteúdos jornalísticos para internet. As três áreas principais de cobertura da Pública são Copa do Mundo, Ditadura e Amazônia. A escolha foi feita em função da carência de bons materiais sobre esses temas nas mídias tradicionais. O trabalho inverte a lógica vigente do mercado: não toma como verdade todas as informações oficiais que vêm do poder público e busca ouvir o que os movimentos sociais têm a dizer. O resultado desse esforço tem sido textos de qualidade, republicados inclusive por grandes veículos de imprensa.
A Repórter Brasil também produz conteúdo jornalístico. O foco predominante é dar visibilidade ao grave problema que é o trabalho escravo contemporâneo. Representante da organização na roda de conversa, Daniel Santini alertou aos participantes do evento sobre elementos essenciais para garantir que uma denúncia possa ser publicada ou, pelo menos, apurada. Ele explica ser importante registrar os fatos com precisão; apontar nome completo dos envolvidos, idade, data, horário; fazer fotos; documentar; etc. Outra dica é tentar estabelecer diálogos com poder público e gravar as promessas dos políticos, especialmente as que mencionem prazos para a solução de determinado problema para poder cobrá-los publicamente depois.
Mobilização política
Para além dessa produção/veiculação de conteúdos, a comunicação pode ser uma estratégia para mobilização política. Foi esse o viés apresentado por Gabriel Mesquita, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Ele apresentou dois casos nesse sentido. O primeiro foi a campanha “1GOL: Educação para Todos”, uma parceria entre a Campanha Global pela Educação (CGE) e a FIFA. Realizada durante Copa do Mundo de 2010, ocorrida na África do Sul, a iniciativa defendia o direito de todas as crianças do planeta terem acesso à educação até 2015. Contando com a participação de atletas e celebridades, a ação colheu 17 milhões de assinaturas, sendo um milhão no Brasil. No entanto, restou a pergunta sobre qual a relevância efetiva desse resultado.
O segundo caso apresentado por Mesquita, com números bem mais modestos, provocou de fato uma mudança política. A Campanha acompanhou toda a tramitação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Foram elaborados mais de 100 posicionamentos públicos; realizadas mais de 300 audiências com parlamentares e com o Governo Federal; e seminários por todo o País. Em junho de 2007, o texto aprovado trazia quase todos os pontos importantes reivindicados.
Diálogos possíveis
Um desafio comum às organizações convidadas para o debate é comunicar suas causas para a sociedade em geral. Foi Lúcia Nader quem compartilhou a experiência do Conectas Direitos Humanos na tentativa de melhorar esse diálogo. Entre seus objetivos está engajar a sociedade brasileira na defesa dos direitos humanos e, para isso, foi preciso avaliar e redirecionar os discursos. No site, a organização passou a dar mais foco ao tema abordado do que ao seu próprio protagonismo no fato em questão. Nas redes sociais, optou-se por uma linguagem e um conteúdo um pouco mais informais.
Nessa busca por diversificar o público alvo, o Greepeace também operou mudanças na comunicação. Lisa Gunn conta que os atos públicos que antes chamavam atenção das mídias tradicionais já não são sozinhos suficientes. A internet surge como caminho alternativo que exige investimento tanto no site institucional, quanto em campanhas específicas.
Como estratégia, ela orienta que seja feita a segmentação do público por foco de interesse e que se estabeleçam ciclos de engajamentos – quem assina uma petição, “curte” a página do Greenpeace no Facebook e pode se tornar um multiplicador das mensagens. Comunicação e Mobilização tornam-se totalmente integradas e há uma preocupação em criar espaços “off line” para que o ativismo saia do virtual.
Outros caminhos
Representante do MST, Igor Felippe conta que a necessidade de ter instrumento de comunicação nasce antes mesmo do movimento. O “Boletim Sem Terra” foi o primeiro veículo usado para circular informações no primeiro acapamento de 800 famílias no Rio Grande do Sul, na década de 1980. Atualmente, o MST conta também com site, revista, rádios comunitárias e começou a produzir vídeos para visibilizar a causa.
Mas a comunicação ultrapassa a divulgação de informações. Símbolos, como a bandeira e o boné, a forma de atuação e de organizacao são importantes instrumentos que transmitem a mensagem do movimento.
Igor Felippe ressalta ainda que o principal desafio para a sociedade brasileira é avançar na construção de meios de comunicação que estejam nas mãos das pessoas que querem a mudança. Ele também vê criticamente a internet: por mais democrático que pareça, esse meio também é dominado pelos grandes grupos empresariais e de comunicação.
Após as falas dos convidados, os representantes dos projetos apoiados pelo Fundo Brasil também participaram das discussões.
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