Desde 1994, todo dia 9 de agosto é celebrado o Dia Internacional dos Povos Indígenas. A data definida pela Assembléia Geral das Nações Unidas tem como objetivo continuar fortalecendo a cooperação internacional para a solução dos problemas que afrontam os povos indígenas nas áreas da cultura, educação, saúde, direitos humanos, meio ambiente e desenvolvimento econômico e social.
Conselheiro do Fundo Brasil de Direitos Humanos, o indígena Gersem Baniwa considera que a data é um reconhecimento da existência e da importância dos povos indígenas. “É o resultado de um processo histórico longo de lutas, de reivindicações, de cobranças dos povos indígenas.” Mas para ele, mais que esse reconhecimento, é preciso ainda garantir que os direitos já conquistados nas leis nacionais e internacionais sejam respeitados pelas sociedades dominantes: “Ainda há uma grande lacuna, uma grande separação, entre as intenções colocadas no papel, nas leis, e efetivamente os direitos lá na aldeia, seja nas questões mais básicas e fundamentais como a saúde e a educação, seja na questão da auto-sustentação e da proteção do seu território.”
Para Gersem Baniwa, uma grande preocupação que os povos indígenas têm hoje é com o avanço da globalização. “O modelo econômico capitalista não está muito interessado nos seres humanos, nem nas culturas e tradições. Prevalece o princípio materialista, do dinheiro, da acumulação da riqueza, do poder associado à riqueza, e isso acaba se sobrepondo de forma muito hierárquica, muito forte e autoritária sobre os interesses e os direitos indígenas. Quando a gente fala da proteção do território associada à preservação ambiental, as grandes forças políticas, empreendimentos nacionais e internacionais, não querem saber disso. Calculam em lucro, per capita e superávit, e assim por diante, e pouco se discute o que aquilo implica de bom e de ruim na vida das sociedades e grupos humanos que vivem em determinados territórios e ecossistemas, como é o caso dos povos da Amazônia, hoje objetos de muita cobiça pela frente econômica que representam”, resume o líder indígena.
Avanços
Apesar de todas as dificuldades, Gersem Baniwa destaca alguns avanços, resultado de muita luta, especialmente na área da Educação. “A chegada dos indígenas na universidade, no ensino superior, é sem dúvida nenhuma uma conquista que inspira um novo tempo. Você está formando não apenas novos atores intelectuais indígenas, mas novos atores políticos, novos sujeitos não só passivos de direitos, mas ativos, como advogados indígenas, pedagogos, educadores, médicos, enfermeiros, que podem concretamente fazer a diferença nas aldeias e nas cidades nessa relação com as políticas, os governos, os dirigentes.”
Ele mesmo é exemplo desse avanço. Primeiro antropólogo indígena do país, Gersem Baniwa é hoje professor na Universidade Federal do Amazonas, doutorando em Antropologia Social na Universidade de Brasília, diretor-presidente do Centro Indígena de Estudos e Pesquisas (Cinep) e coordenador-geral de Educação Escolar Indígena – Secad/MEC. Para ele, o acesso ao ensino superior contribui para o empoderamento prático dos indígenas: “O movimento indígena mais qualificado pode projetar o futuro bem mais sólido. Sabemos que o que garante os direitos indígenas não são a lei, os programas e as ações, mas é a própria capacidade constante, permanente, determinada e solidificada do processo de luta dos povos indígenas.”
Uma importante barreira que ainda precisa ser ultrapassada é a discriminação, o preconceito gerado desde a história da colonização. “Por mais que a visão, a cultura, tenha mudado sensivelmente, positivamente, ainda há uma forte rejeição a essa diversidade de modo de viver e pensar política, cultura, ciência e assim por diante. Isso ainda dificulta a garantia de uma convivência mais equilibrada, mais articulada, mais integrada com o mundo. E isso acaba gerando dificuldades como de se avançar políticas públicas, que são definidas pela sociedade.”
Para Gersem Baniwa, é nesse sentido que a data tem sua maior importância. “Embora a luta aconteça todo dia, essas datas aumentam a visibilidade sobre a questão. O grande problema da colonização na história brasileira e latino-americana é a invisibilidade do tema e a falta de informações mais qualificadas. Esses momentos são importantes para qualificar a opinião pública sobre a realidade, a situação dos povos indígenas”, conclui.