“A marca da divisão de homens e mulheres no mundo, onde os homens estão em uma posição melhor, de mais poder, de mais fala pública, se reproduz no movimento LGBT. Há tendência dos grupos gays terem mais espaço e mais visibilidade.” A explicação de Kelly Kotlinski Verdade, conhecida como Kaká, traduz a importância de se lembrar do Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, comemorado em 29 de agosto.
Co-coordenadora do Fórum de Mulheres do Distrito Federal e membro do comitê político da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), a ativista pondera que não há um segmento de maior ou menor relevância dentro do movimento LGBT, mas aponta a marca da diferença: “A gente pode tomar como exemplo a Parada do Orgulho LGBT. A manifestação é conhecida como a Parada Gay, mesmo sendo constituída também por travestis, lésbicas, bissexuais e simpatizantes. Deveria ser do orgulho da diversidade. Não uma parada gay. Mas segue toda uma lógica que é da sociedade: a tendência de tornar invisíveis as mulheres e supervalorizar os homens. A sociedade sexista se reproduz.”
Kaká explica que, nesse mesmo sentido, o racismo e formas de discriminação podem ocorrer nos movimentos de promoção e defesa dos direitos humanos. Por isso a importância do debate e da articulação constante. “Hoje temos grupos de mulheres lésbicas negras. E é fantástico o quanto essas mulheres têm construído um discurso libertário, muito crítico, que coloca questões que estão fazendo com que a gente consiga avançar e propor outros paradigmas”, aponta.
Como valorização da identidade lésbica, foi aprovada em 2008, na I conferência Nacional GLBT, a alteração da sigla oficial para LGBT. Mas a mudança necessária vai além da nomenclatura. As mulheres lésbicas buscam políticas públicas que reconheçam suas especificidades e direitos civis, sociais, econômicos, culturais e trabalhistas. “Não se tem direito de herança no caso do falecimento da companheira, não se pode adotar uma criança em nome de mulheres, há muita discriminação no Brasil. E isso é muito grave. O Estado é o primeiro a discriminar legalmente.”
E para Kaká, é a própria conferência que traz uma esperança de mudança dessa realidade. “A participação do Governo Federal, inclusive com a presença do presidente Lula, marcou a primeira discussão oficial de políticas públicas para o segmento LGBT do continente sul-americano.”
Projetos Fundo Brasil
Segundo a ativista, quanto mais segmentados, mais dificuldades os movimentos sociais encontram na disputa de poder. Institucionamente frágeis e menos estruturadas, as organizações de lésbicas dependem de apoio para levar adiante as suas lutas.
A ativista destaca a importância do trabalho do Fundo Brasil de Direitos Humanos para transformar essa realidade. “Dentro do movimento LGBT, vemos cada vez mais organizações no interior dos Estados. Isso é uma tendência. E em pequenos municípios, os recursos repassados para um grupo fazem uma diferença enorme. É fantástico poder aprovar projetos de até R$ 25 mil, onde não há nem um centavo voltado à política pública de diversidade sexual.”
Por fim, Kaká incentiva quem pensa em fazer doações: “O mundo em que nós vivemos é um só e estamos todos juntos nessa. Investir em combate aos preconceitos e à discrimação, no respeito às diferenças, é fazer com que a sociedade seja muito mais produtiva, mais feliz, e com que se desenvolva. Adotar um projeto não é ‘dar dinheiro’, é investir em um País realmente melhor. É sair do assistencialismo e apostar em acabar com a violência, em desenvolver o pensamento das pessoas.”