“Nós temos essa completa visão de que a terra é tudo que nós temos para produzir, cuidar. É nossa maior riqueza”, diz Fernando Azevedo, da organização Tumuné ûti – Nosso Futuro. Em Aquidauana, no Mato Grosso do Sul, ele e outros indígenas do povo Terena trabalham diariamente pelo reflorestamento, consciência ambiental e recuperação da degradação imposta à Terra Indígena Taunay-Ipegue.
A organização conta atualmente com o apoio do Fundo Brasil para dar continuidade às ações em defesa do território. “Nosso objetivo é chegar a seis territórios Terenas, levando palestras, rodas de conversa e oficinas para fortalecer a nossa luta pelo meio ambiente e trazer essas questões de recuperação de áreas degradadas no Pantanal, não só na teoria como na prática”, nos conta.
Na quarta-feira, 23 de fevereiro, Fernando e outros ativistas de organizações, grupos e coletivos, que lutam diariamente pelos direitos dos povos indígena, se reuniram em um encontro virtual promovido pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos.
Este foi o primeiro evento com os grupos apoiados no âmbito do edital Em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas. O encontro teve por objetivo a apresentação entre as organizações e os integrantes do Fundo Brasil. Além disso, visa o alinhamento das ações, o compartilhamento das experiências e o diálogo sobre os desafios enfrentados diariamente em territórios indígenas de todo o país.
Os 10 projetos selecionados neste edital são de oito estados brasileiros e, cada um receberá até R$50 mil para realizar atividades com foco na luta pelo direito à terra e ao território; enfrentamento ao desmonte de programas e políticas públicas em áreas como educação, saúde e meio ambiente; e fortalecimento da auto-organização indígena para defesa de seus direitos.
“O Fundo é uma organização tem por objetivo maior apoiar quem está na ponta defendendo direito. Fazemos os recursos chegarem aonde não chegavam antes. Isso já acontece há 15 anos. Para nós, é uma alegria muito grande estar com todos os grupos aqui, tratando deste primeiro edital específico para defesa dos direitos indígenas”, destacou a superintendente do Ana Valéria Araújo na abertura do evento.
Desafios e violações dos direitos indígenas
Durante a troca, cada grupo participante trouxe sua análise sobre a atual conjuntura nacional, a grave situação dos indígenas do Brasil em diferentes vieses e as atividades que pretendem realizar, em busca de melhorias para suas comunidades e seus territórios.
Clarice Pankararu, liderança Pankararu, falou sobre as comunidades indígenas em contexto urbano. A Associação Comunidade Indígena Pankararu está localizada no bairro Real Park, em São Paulo. Desde a década de 40, 170 famílias indígenas lutam pelo reconhecimento por parte do poder público para ter acesso aos direitos básicos.
“As nossas atividades visam principalmente o fortalecimento do nosso grupo e, também, o reconhecimento dos não-indígenas para com o nosso povo. Vamos realizar em abril, diversas ações para nos aproximar das comunidades do entorno. Além disso, pretendemos apoiar os jovens Pankararus, em parceria com a PUC-SP, com bolsas de estudos para ingressarem nas universidades. Nós queremos também fortalecer a identidade dos nossos jovens”.
A violência doméstica e outras violações enfrentadas por mulheres indígenas foram destacadas pela Norma Wapixana. A Organização das Mulheres Indígenas de Roraima realiza ações contra o feminicídio, o machismo e para o fortalecimento das capacidades das mulheres indígenas.
“Esse apoio do Fundo Brasil veio para nos amparar, porque estamos justamente lutando contra todos os crimes, que vêm acontecendo em território indígena contra todas essas meninas e mulheres. Precisamos de apoio para dar continuidade às nossas atividades. Precisamos falar sobre os nossos direitos enquanto mulheres indígenas. Também precisamos amparar os inúmeros pedidos que têm chegado até nós todos os dias. Ao final, vamos realizar um Seminário Estadual com todas as mulheres da nossa região”.
Alva Rosa, do Povo Tukano do Manaus, Amazonas, destacou como o Fórum de Educação Escolar e Saúde Indígena do Amazonas (FOREEIA) pretende reestruturar os encontros para repensar as estratégias de defesa do território.
“Esses indigenistas que nos apoiam, como a equipe do Fundo Brasil, eu considero como nossos parentes, porque estão nesta luta com a gente. O FOREEIA é um movimento pela educação. Mas quando trabalhamos com ela, incluímos o nosso tripé: terra, educação e saúde. Já iniciamos nossas atividades, nossos encontros e estamos orientando os indígenas sobre os direitos, sobre as eleições deste ano, estamos resgatando nossas memórias de lutas para que todos entendam que nada nos foi dado pelo governo, tudo veio com muita luta e assim devemos continuar”.
Txulunh Gakran, da Juventude Xokleng, de Santa Catarina, explicou a necessidade de empoderamento das juventudes para a prevenção do suicídio e pela defesa do território. As terras indígenas Laklãnõ Xokleng, que incluem quatro cidades e mais de 15 mil hectares, são o alvo principal do Marco Temporal. Em julgamento no Supremo Tribunal Federal, a decisão pode alterar profundamente a demarcação de terras indígenas no Brasil.
“As decisões, tomadas por homens mais velhos nas comunidades indígenas, não atendiam às nossas demandas. Então, a gente resolveu se organizar enquanto juventude. A gente viu que o alto índice de depressão e suicídio entre os jovens aqui, está muito associado à falta de atividades para ocupar a cabeça mesmo: lazer, estudo, emprego. A gente chegou nas lideranças e pediu para ser ouvida. Com esse apoio, queremos o fortalecimento da nossa juventude. Além disso, pensamos em uma formação política, já que estamos no centro do debate do STF. Temos que proteger e lutar por nossa demarcação de terra”.
Aliança entre Fundos
O edital Em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas faz parte da Aliança entre Fundos. Iniciativa que reúne o Fundo Baobá para Equidade Racial, o Fundo Brasil de Direitos Humanos e o Fundo Casa Socioambiental, tem por objetivo promover, em conjunto, maior aporte de recursos para os povos indígenas, comunidades quilombolas e outros povos tradicionais mais vulnerabilizados pela pandemia de Covid-19.
“Esse é um projeto bastante interessante, destes três fundos de direitos humanos, em fazer uma filantropia colaborativa. Então, nós procuramos parceiros em comum para o financiamento desta parceria. Cada fundo fez o seu edital individualmente. Nós fizemos para os povos indígenas”, explicou a superintendente adjunta do Fundo Brasil, Allyne Andrade.
“Além do aporte financeiro, nós também vamos realizar atividade de formação, de monitoramento e ações de intercâmbio entre os grupos selecionados, tanto pelo Fundo Brasil, quanto nos outros fundos, para que a gente pense estratégias, forme redes e tenha momentos de troca dentro deste projeto da Aliança”, completou Allyne Andrade.
Outros apoios a povos indígenas
Ao longo de seus 15 anos de história, o Fundo Brasil de Direitos Humanos já apoiou diferentes projetos de povos indígenas que lutam por suas terras, seus modos de vida e tradições. São iniciativas voltadas à garantia de direitos, à preservação ao meio ambiente, resistência a megaprojetos, combate ao preconceito e violências, ao resgate cultural e à formação em direitos humanos.
“Além de apoiar grupos indígenas em diferentes editais, temos o SOS Amazônia para apoio a organizações que precisam de recursos de forma mais emergencial para enfrentar invasão de terras, desmatamentos, queimadas e outras violações. Temos também o fundo emergencial para defensores de direitos humanos, voltado para ativistas que estão com suas vidas ameaçadas. Por isso é uma alegria ter, em um momento tão crucial no Brasil, um apoio específico em um edital, em meio a uma desconstrução dos direitos dos povos indígenas no Brasil como estamos vendo”, finalizou Ana Valéria Araújo.