Impactada por desmatamento, construção da Transamazônica, projetos econômicos e, nos últimos anos, pela hidrelétrica de Belo Monte, Altamira, cidade localizada na região sudoeste do Pará, é marcada pela resistência. E pela luta pelos direitos humanos.
Foi neste cenário, emblemático e simbólico, que o Fundo Brasil realizou na semana passada uma roda de conversa com ativistas apoiados pela fundação na região Norte do país. A roda contou também com outros convidados ligados ao tema.
O evento foi organizado com o objetivo de discutir como organizações, grupos e coletivos atuam em rede em tempos de retrocessos contra os direitos humanos, além de incentivar a articulação de estratégias de ação conjunta.
Realizada na sexta-feira, dia 27, na UFPA (Universidade Federal do Pará), a roda de conversa reuniu cerca de 30 ativistas e chamou a atenção da imprensa local. A equipe do Fundo Brasil que visitou a cidade foi formada por Maíra Junqueira, coordenadora executiva adjunta; Gabriela Santos e Pedro Lagatta, assessores de projetos; e Cristina Camargo, assessora de comunicação.
Veja aqui a entrevista concedida por Maíra Junqueira ao Xingu 230
Durante o debate, os participantes relataram dificuldades como os impactos provocados pelos megaprojetos; os retrocessos nas áreas de direitos humanos; a violência contra os jovens e as mulheres; a criminalização dos movimentos sociais; a repressão ao ensino de questões de gênero nas escolas; e o racismo. E defenderam a importância de questões como a luta por direitos; as mobilizações e a atuação em rede.
A roda de conversa teve como resultado a reunião de uma série de ideias e estratégias, tais como a organização das pessoas atingidas em grupos, organizações ou coletivos, com uma rede de apoio; a criação de um grupo online para discutir questões como a eleição de mulheres para o Congresso Nacional; a superação de barreiras políticas; a união da sociedade civil, esquecendo possíveis bairrismos; o acolhimento a migrantes latinos; o uso de redes sociais para obter informações sobre violações de direitos e também para pressionar autoridades; a utilização de formas de comunicação que cheguem em lugares sem acesso a TVs ou jornais; a preservação das histórias das pessoas que constroem as políticas sociais e também dos acervos das organizações; o estímulo à formação e à representação política; a utilização de ferramentas lúdicas, como exibição de filmes; a organização de manifestações nas ruas e a união de ativistas para enfrentar repressões e criminalizações.
O cenário de Altamira foi amplamente debatido durante a roda de conversa, principalmente por ativistas que há décadas enfrentam diversas violações na região.
“Não precisamos de nenhum projeto para ser jogado aqui, nem mineração nem hidrelétrica. Os povos da Amazônia já têm o seu modo de vida”, afirmou Antonia Melo, coordenadora do Movimento Xingu Vivo e símbolo da luta contra a construção da hidrelétrica de Belo Monte.
O Xingo Vivo foi apoiado pelo Fundo Brasil em 2013 e 2016. É uma organização que atua na defesa da população vitimada pela construção de Belo Monte e ameaçada por projeto de mineração na região.
Com a ajuda da organização, foi criado em 2015 o Conselho Ribeirinho, formado por famílias ribeirinhas que viviam nas ilhas e margens do rio Xingu e foram compulsoriamente removidas de suas casas para dar lugar ao reservatório de Belo Monte.
O Conselho Ribeirinho é apoiado pelo Fundo Brasil.
Durante a roda de conversa, Antonia Melo falou sobre o aumento da violência em Altamira após o inchaço provocado pelas obras de construção de Belo Monte.
“O que trouxe isso para cá? Nossa vida não era assim. Tudo se voltou contra Altamira com a implantação desse empreendimento”, disse. “Jogam sobre nossas vidas uma carga muito pesada e cruel, que é a destruição de tudo que trabalhamos há muitos anos para construir”.
“Não queremos que o capital nos empurre mais ainda para a marginalização”, ressaltou Mônica Brito Soares, do movimento negro de Altamira.
Sobrevivência
O crescimento da violência tem como uma das consequências os assassinatos de jovens, o que motivou a criação do Coletivo de Mães do Xingu, liderado por Malac Mauad, mãe de um jovem assassinado aos 23 anos.
“Nosso desafio é mobilizar as mães e familiares”, ela afirma, ao revelar que sente a falta de apoio das outras organizações para o coletivo, criado em 2017 após uma passeata que mobilizou dezenas de pessoas.
“Não é normal executar um jovem porque ele é negro, pobre e mora na periferia”, reforçou Daniela, estudante de geografia, militante do movimento negro e irmã de uma das vítimas da violência em Altamira.
Entre os grupos que enfrentam o racismo na cidade está o CFNTX – Centro de Formação do (a) Negro (a) da Transamazônica e Xingu, que também participou do debate e é apoiado pelo Fundo Brasil.
Outra dificuldade debatida pelos ativistas foram os retrocessos políticos e sociais dos últimos anos no Brasil. A crise, no entanto, foi apontada por Leila Barreto, do Gempac (Grupo de Mulheres Prostitutas do Estado do Pará) como algo que “agitou” os movimentos, antes “meio mornos, parados”.
Ela defendeu a união das pessoas que lutam por direitos e contou a história da organização das prostitutas no Pará, que já acontece há três décadas.
O Gempac luta pela superação de preconceitos, redução da discriminação, valorização da identidade de mulher e trabalhadora sexual, fortalecimento das ações de enfrentamento à exploração sexual de crianças e adolescentes e combate ao tráfico de seres humanos. Foi apoiado pelo Fundo Brasil também em 2011 e 2012.
Dinâmicas como o uso de palitos de fósforos acesos para marcar o tempo de apresentação inicial dos ativistas e tarjetas para expressarem suas opiniões e conceitos facilitaram o debate, considerado importante e revigorante pelos participantes.
“Para quem atua na área de direitos humanos, quando a gente escuta as realidades das regiões, a visão é que a luta é por existir. É um universo de luta por existência”, definiu Maíra Junqueira, coordenadora executiva adjunta do Fundo Brasil, no final da roda de conversa. “Para o Fundo Brasil fica ainda mais evidente a importância de apoiar a sociedade civil. A gente tem que existir para pressionar o estado. Não existe sociedade democrática sem uma sociedade civil forte”.
Acompanhe nossas redes sociais
Facebook, Twitter e Instagram.