Cerca de 70 ativistas, representantes de 60 organizações, grupos e coletivos de direitos humanos das cinco regiões do país se reuniram, entre os dias 31 de agosto e 2 de setembro, na cidade de São Paulo, para debater os rumos da democracia brasileira. O Encontro de Projetos do Fundo Brasil de Direitos Humanos foi realizado presencialmente, depois de 2 anos em formato remoto. Voltado para a articulação entre os coletivos e grupos, teve como tema os desafios comuns e possíveis caminhos coletivos para enfrentar os retrocessos nos direitos de parcela da população brasileira.
Do encontro participaram lideranças quilombolas, indígenas, de grupos de mulheres e de pessoas LGBTQIA+, de coletivos que enfrentam o encarceramento em massa, o racismo e os retrocessos nos mecanismos democráticos do país. São todas e todos apoiados por sete editais e apoios emergenciais do Fundo Brasil.
A volta ao formato presencial foi celebrada na abertura do evento pela superintendente do Fundo Brasil, Ana Valéria Araújo.
“Depois de tanto tempo nos vendo em formato online, como é bom encontrar vocês presencialmente. E poder ver o que os números nos mostram. O Fundo Brasil vem crescendo muito e apoiando cada vez mais projetos”, disse Ana Valéria.
A superintendente ressaltou a importância do Encontro de Projetos para a missão do Fundo Brasil. “A gente sempre sai desse evento ainda mais potente e entendendo melhor sobre o que é mais relevante, nesse momento, para a defesa dos direitos humanos, em especial numa época de tantos retrocessos como estamos vivendo. Essa vivência faz o Fundo Brasil de Direitos Humanos trabalhar melhor e aperfeiçoar suas ações”, completou.
O evento proporciona aos ativistas uma leitura sobre as diferentes urgências nos territórios diante da conjuntura atual do país, além do compartilhamento de estratégias para a defesa dos direitos humanos. A experiência permitiu o que não foi possível por dois anos, devido às restrições da pandemia: o olho no olho, o abraço e a troca de saberes para além das telas dos computadores.
Participaram do encontro os grupos apoiados nos editais 2021- Seguir com Direitos; Direitos humanos e justiça criminal; Enfrentando o racismo a partir da base 2021; LGBTQIA+ defendendo direitos; Defensoras/es de direitos humanos: fortalecendo capacidades para proteção e segurança integral; Em defesa dos direitos dos povos indígenas; e no Apoio emergencial SOS Amazônia
Conjuntura de violência e urgências para o futuro
A educadora, comunicadora e militante do movimento de mulheres negras Mônica Oliveira foi a mediadora de todo o encontro e responsável pela análise política que lançou propostas de reflexão aos participantes.
“Os sistemas eleitorais refletem o que está na sociedade. Então eles refletem o racismo, o sexismo, a homofobia. Quem se coloca no lugar da disputa política tem enfrentado várias violências. Não é difícil você ouvir deputadas federais dizerem que perderam a vida e a liberdade por terem que andar 24 horas com seguranças para não serem assassinadas”, lembrou a mediadora.
“Esse nível de violência não é uma ameaça à democracia, porque ele já ultrapassou a ameaça. Essa violência reduz a democracia. Mas não podemos desistir”, seguiu.
Superintendente adjunta do Fundo Brasil, Allyne Andrade destacou que estar do lado da luta muitas vezes significa “perder companheiros pelo enfrentamento que escolheu e, às vezes, também pela luta que não escolheu”. Essas lutas, disse Allyne, atingem parcelas específicas da população brasileira, “por ser negro, por ser quilombola, por ser indígena, por ser mulher, por ser trans, por ser pobre”. Neste sentido, ela destacou a importância de formar laços de solidariedade.
Ativistas e lideranças presentes falaram sobre seus projetos de defesa de direitos humanos, apresentando alguns dos resultados que esse trabalho proporciona para suas comunidades.
Segundo Ana Cláudia Pereira, da Pastoral Carcerária de Mato Grosso, o apoio do Fundo Brasil ajudou a mudar o cenário do sistema prisional no estado. “Conseguimos mudar a história do sistema prisional no Mato Grosso, no que diz respeito ao combate à tortura”, disse. “Nenhuma instituição tinha acesso ao sistema prisional e isso mudou agora, no início do ano. Não temos mais crianças encarceradas. Depois de dez anos de luta, conseguimos essas coisas agora.”
Fernan Silva, representante do Levante Popular da Juventude no Paraná, destacou a importância de as fundações apoiadoras ouvirem e fortalecerem os projetos de jovens da periferia.
“O projeto apoiado pelo Fundo Brasil nos permitiu sustento, autonomia e garantiu uma capacidade de ação. Implementamos o curso Podemos Mais, para educação popular”, comemorou o jovem. “O principal resultado para a gente foi a questão da autoestima. Imagine a gente ter condições de fazer um banner, de construir uma identidade visual, camisetas, isso fez as pessoas do projeto acreditarem no que fazem”, completou.
Fabrício Bogas, da Acontece Arte e Política LGBTI+, lembrou a necessidade de um olhar mais cuidadoso para a saúde mental dos ativistas de direitos humanos. “Quem defende os direitos humanos é perseguido no Brasil. A gente fica depressivo, a gente não fica bem. Então, precisamos pensar na saúde mental da nossa população que está todo dia trabalhando na ponta, sem dinheiro, sozinha, enfrentando diversas violações.”
“Eu saio daqui fortalecida. E agradecida ao Fundo Brasil pelo apoio oferecido para nos revigorar na luta, que não é fácil. Nossa luta é pelos direitos dos jovens da periferia, mas não é só para os jovens de agora. Estamos lutando pelos filhos de vocês, pelos netos de vocês”, destacou Solange Oliveira, do Movimento Mães em Luto da Zona Leste, em São Paulo.