Temporais com oito mortes e mais de 20 mil desabrigados no Sul. Estiagem no Norte com populações isoladas sem comida e água potável. Milhares de peixes mortos. Mortes de mais de 200 botos causadas pelas temperaturas dos rios acima de 40°C. Ribeirinhos sofrem sem poder pescar, sem poder garantir comida na mesa. No Sudeste, ondas de calor com sensação térmica superior a 60°C no Rio de Janeiro. Uma jovem morre sem acesso à água em um show milionário na cidade.
O painel “Mudanças Climáticas e trabalho digno: reflexões sobre transição justa a partir da base” promovido pelo Labora discutiu a conexão entre mudanças climáticas e a luta por trabalho digno a partir das perspectivas das organizações e movimentos sociais em diversas regiões do país que estão lutando pela preservação do meio ambiente e das comunidades que o protegem em todos os biomas brasileiros. Durante a conversa, os painelistas enfatizaram a ligação intrínseca entre os modos de vida comunitários e tradicionais com a proteção da biodiversidade.
Liderança do povo Terena e coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Val Eloy exerce incidência política pela manutenção dos vetos da presidência da República ao Marco Temporal. Um dos artigos derrubados pelo presidente Lula estabelecia que os povos indígenas só teriam direito às terras que ocupavam ou reivindicavam até a data de promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. Parlamentares que atendem aos interesses do agronegócio veem no Marco Temporal a possibilidade de expansão do plantio da soja e da criação de gado no Cerrado e na Amazônia. Ativistas do campo e das águas veem a nova legislação como uma ameaça aos dois ecossistemas e às populações tradicionais que vivem nos territórios e destes garantem a subsistência.
“A gente vem sofrendo muito com os desmatamentos. Quando a gente fala de povos indígenas, a gente fala de vida. A gente tem todo o conhecimento cultural a partir de nossa ancestralidade, de nossos antepassados. Nós sabemos como é cuidar da mãe terra”, disse Val Eloy às lideranças de 39 organizações durante o painel realizado em outubro na cidade de São Paulo.
Nos últimos meses, uma nuvem de fumaça tomou conta de Manaus, consequência da estiagem agravada pelo desmatamento causado pela expansão do agronegócio. O fogo serve, de forma predatória, para a liberação do solo para o plantio e pasto. Contudo, esta forma de expansão torna o solo improdutivo em curto espaço de tempo, dando sequência a um círculo vicioso que destrói a vida nos biomas onde interfere.
“Os povos indígenas têm avisado há muito tempo que a gente sofreria tudo isso que a gente está sofrendo hoje. Esse calor imenso que a gente passou por esses dias. A gente tem visto tragédias acontecendo em todo o mundo por conta da ganância do homem branco, do empresário que quer enriquecer nas terras, que quer desmatar sem pensar nas consequências que vai trazer não somente para nós povos indígenas, mas para todos”, manifestou.
Transição Justa?
Em novembro de 2025, o Brasil será sede da Conferência da ONU para Mudanças Climáticas, a COP-30. O encontro da ONU acontecerá em Belém, no Pará, e tem como um dos focos a busca pela transição para uma economia livre de carbono. No entanto, o debate vem sendo ditado pelos países do norte a partir das realidades sociais, mercados de trabalho e matrizes energéticas destas nações. Organizações e movimentos sociais dos países do sul global criticam a falta de voz e escuta nas formulações de políticas ambientais.
Integrante da Coordenação das Associações das Quilombolas Remanescentes de Quilombos do Pará, a Malungu, Hilário de Moraes foi aplaudido durante o Seminário do Labora ao pedir respeito aos conhecimentos da ancestralidade negra para a preservação da Amazônia e da Terra e proteção às lideranças de povos tradicionais.
“A gente não está vendendo nenhuma árvore, não está vendendo nenhum território. A gente quer ser pago, muito bem pago, pelo serviço ambiental que a gente presta há mais de 500 anos para esse país. A gente quer política pública ambiental para salvar o nosso território, salvar o nosso povo, salvar o planeta. Essa é a transição justa que a gente quer. Salvaguardar território é proteger toda a ancestralidade. É proteger todos os lugares sagrados onde o meu pajé, onde o meu curador, onde o meu povo de candomblé não pode chegar porque está cercado pela soja, pelo arroz. Quando você entra, você leva um tiro. A gente quer proteger os ambientes do nosso modo, da forma como nós aprendemos”.
A reflexão foi compartilhada por Dandara Rudsan, assessora de projetos da Iniciativa Negra. Mulher preta e trans, viveu ainda na infância o impacto das alterações arbitrárias no cotidiano dos povos tradicionais. Ela e a família tiveram as raízes arrancadas na região amazônica em consequência da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte.