É com uma de suas especialidades, macarrão acompanhado de linguiça, que Márcia Aparecida Santos Silva, 42 anos, recebe os integrantes do Najurp (Núcleo de Assessoria Jurídica Popular de Ribeirão Preto) em sua casa, na comunidade João Pessoa, ao lado do aeroporto Leite Lopes, região que é cenário de conflitos fundiários na cidade.
Ligado à Faculdade de Direito da USP, o Najurp oferece assessoria aos moradores ameaçados de perderem suas casas. Na luta pelo direito à moradia, a faxineira Márcia aprendeu junto com os jovens estudantes e advogados do núcleo de assessoria sobre a força da resistência coletiva. E desenvolveu um talento que não conhecia: o da liderança.
Foi por acaso. Os antigos líderes comunitários foram embora e Márcia decidiu continuar, mesmo não sendo diretamente ameaçada pelo processo de reintegração de posse que é o pesadelo de parte da comunidade.
“Eu não sabia que tinha essa capacidade de lutar pelo povo, de dar a cara à tapa”, afirma. “E vamos continuar causando”, promete, citando uma interpretação própria dada ao termo jurídico Legitimidade ad causam. Para Márcia, o significado é legitimidade para causar.
Com a assessoria jurídica do Najurp, os moradores das comunidades João Pessoa e Nazaré Paulista conseguiram recentemente a extinção, em primeira instância, do processo de reintegração de posse que os ameaçava. O trabalho foi realizado em parceria com a Defensoria Pública.
Márcia mora na comunidade João Pessoa há seis anos, ao lado do marido e dos filhos de 19, 15 e 13 anos. Comprou o terreno de um antigo administrador dos lotes e trabalhou duro para construir a casa sempre cheia de familiares. A comunidade existe há três décadas e, nos últimos anos, os vizinhos de Márcia passaram a viver momentos de tensão com as ameaças de despejo da área que ocupam, consequência do interesse imobiliário e comercial ligados à expansão do aeroporto.
Nessa luta, a líder comunitária adquiriu úlcera, gastrite e refluxo, tamanho o nervosismo. Não é à toa que a notícia sobre a extinção do processo em primeira instância foi comemorada com um grito popular: “Vitória na guerra!”
A “guerra” levou Márcia a ficar íntima dos ritos judiciais e aprender “palavras difíceis”. Ela já participou de reuniões na Defensoria Pública, fez um oficial de justiça conversar de igual para igual com os moradores e fala para as autoridades que vai conferir item por item dos textos relativos ao caso para saber se está “tudo direitinho”.
A líder comunitária trabalha três vezes por semana e usa os dias de folga para o ativismo. Acredita que agora sua vida é melhor do que antes, quando era mais pacata. Márcia prefere a agitação da luta por moradia.
“É muito bom a gente fazer o bem”, diz.
Najurp
O Najurp é uma das organizações apoiadas pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos por meio do edital “Litigância estratégica, advocacy e comunicação para promoção, proteção e defesa dos direitos humanos”, lançado em parceria com a Fundação Ford.
A litigância estratégica é aquela que tem a preocupação com a transformação da realidade para além do caso específico. São diversos os objetivos que podem ser buscados nesse tipo de litígio.
Criado em 2011, o Najurp é formado por 30 pessoas, entre bolsistas, estagiários, mestrandos e pesquisadores. Trabalha em três frentes: Frente de Moradia; Frente de Educação; e Frente de Gênero, Raça e Sexualidade.
Na última semana de abril, o núcleo de assessoria recebeu a visita de Taciana Gouveia, coordenadora de projetos do Fundo Brasil. A visita faz parte das atividades de monitoramento da fundação e incluiu uma passagem pelas comunidades assessoradas, onde Márcia contou sobre a descoberta de sua capacidade de representar os demais moradores.
O apoio da fundação ajuda a fortalecer a atuação de organizações como o núcleo de assessoria e criar laços como o de Márcia e outros moradores com os estudantes da USP.
Fundo Brasil
O Fundo Brasil trabalha para promover os direitos humanos e sensibilizar a sociedade para que apoie iniciativas capazes de gerar novos caminhos e mudanças significativas para o país.
A fundação disponibiliza recursos para o apoio institucional e para atividades de organizações da sociedade civil e de defensores de direitos humanos em todo o território nacional.
Em quase dez anos de atuação, já destinou R$ 11,7 milhões a cerca de 300 projetos em todas as regiões do país.
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