“A essência dos povos indígenas é a felicidade. Eles tentaram arrancar isso da gente. Mas nossa busca todos os dias é para reencontrar o caminho da alegria. A demarcação dos nossos territórios vai trazer isso de volta.” Com essas palavras, em tom de convocação, Jânio Kaiowá abriu a programação da Assembleia da Juventude Guarani Kaiowá, no município de Douradina, no Mato Grosso do Sul.
O encontro ocorreu entre os dias 12 e 15 de outubro e reuniu mais de 600 jovens indígenas, de 32 municípios dos estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e de Santa Catarina.
De acordo com o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o Mato Grosso do Sul é o segundo estado com maior número de indígenas assassinados em 2021, ficando atrás apenas do Amazonas.
Em um dos territórios de maior violência contra os povos indígenas no país, a realização da assembleia da juventude possibilitou reflexões sobre identidade e os desafios do movimento indígena. Ainda, segundo Jânio, é o momento de revigorar as forças da juventude para lutar pelos direitos diante do cenário atual.
“Esse tem sido um ano muito desafiador para a gente. Perdemos muitos jovens em conflitos, sofremos muitos ataques e genocídio contra o nosso povo. Por isso precisamos resgatar nossa identidade, para continuar tendo forças para lutar, em memória de todos que se foram. Reunir nossa juventude nos fortalece.”
A Assembleia de Jovens Guaranis Kaiowás é uma iniciativa da Retomada Aty Jovem (RAJ), apoiada pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos no edital Em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas.
“A assembleia é uma ferramenta de defesa, de sobrevivência, de resistência e de resiliência. Dela vão germinar outras formas de visão para enfrentar os desafios do território e de fora dele. A partir desses encontros criamos a ideia do que devemos adotar como forma de proteção. Aqui é o lugar”, conta Rose Kaiowá, coordenadora da Retomada Aty Jovem.
Cura, reza e retomada em pauta
Jovens Mbya, Xokleng, Kaiowas e Ñandeva prepararam debates, resgate das brincadeiras de infância, apresentações culturais de cada território e rodas de conversa sobre o cotidiano das juventudes em diferentes territórios. Tudo pensado para fortalecer a cultura, a espiritualidade, a origem, a língua materna e o modo de ser guarani kaiowá.
No centro da quadra esportiva da Escola Municipal indígena Tekoha Guarani, o Chiru (objeto de cruz e varas) da tradição guarani, recebia a oração dos participantes.
A reunião de tantos jovens indígenas também foi o momento para escutar os anciãos e as anciãs, e entrar em contato com a força da ancestralidade daquelas e daqueles que, desde a juventude, estão na luta pela retomada dos territórios e pela conquista dos direitos dos povos indígenas. Além disso, a maior parte das falas foi feita em Guarani, como de costume nas reuniões do Aty Guasu.
“Valorizamos muito os mais velhos. Ouvir os anciãos tem um peso muito grande para gente. São eles, com sua experiência, que nos dizem o que é ideal fazermos agora. Eles também chamam nossa atenção para não desviarmos o foco do que é importante para a nossa sobrevivência. Foi assim que conseguimos chegar até os dias de hoje”, disse Rose.
Cerca de 150 jovens Xokleng foram de ônibus de Santa Catarina até Douradina, uma viagem de mais de 24 horas. De acordo com Jaciara Pripá, um esforço necessário para entender e apoiar as diferentes pautas de cada território.
“Esse encontro fortalece a nossa juventude, porque no nosso território, apesar de ter conflito, não chega perto do que as famílias daqui enfrentam. Quando estávamos a caminho daqui já foi possível sentir a dor dos nossos parentes e o quanto eles precisam de nós também nessa luta”, disse Jaciara, integrante da Juventude Xokleng. “Chegando aqui a gente tem noção do quanto somos grandes. Nós viemos de um território demarcado e aqui temos noção dos desafios que enfrentam quem vive em retomada.”
Retomada Aty Jovem
Nomeada por um coletivo de jovens indígenas, a RAJ surgiu em 2012, durante a grande Assembleia do Aty Guasu Guarani Kaiowá, que aconteceu em Pirajui, município de Paranhos, no Mato Grosso do Sul.
“Muitos jovens presentes naquele encontro decidiram se reunir para manter vivas a resistência e a memória de muitas lideranças que perderam suas vidas defendendo o nosso território. Vamos continuar com a mesma vontade e força para retomar o que nos foi tirado”, afirmou Jânio.
Após a primeira assembleia jovem, outras edições foram realizadas: em 2016, na aldeia Paraguassú; e em 2017, em Sassoró e na aldeia Te’yi Kue, todos territórios localizados no estado do Mato Grosso do Sul. Sempre com o foco de seguir no movimento e somar esforços com os anciãos na luta coletiva.
Hoje, a Retomada Aty Jovem conta com 80 conselheiros, além de diferentes aldeias, terras indígenas e, também, retomadas.
“Queremos discutir sobre nossas vivências, nosso cotidiano e o que vemos dentro e fora dos territórios, que são o preconceito, o racismo, a violência e a intolerância”, disse Rose. “A retomada é você voltar àquilo que você pertence e essa é a vontade da nossa juventude. Hoje, o nosso maior sonho continua sendo o sonho dos nossos ancestrais: que é ter nosso território, a demarcação de terra”, finaliza.
Em defesa dos direitos dos povos indígenas
O edital Em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas selecionou 10 projetos de grupos indígenas, de oito estados brasileiros, para serem apoiados com até R$ 50 mil em suas atividades de luta pelo direito à terra e ao território, de enfrentamento ao desmonte de programas e políticas públicas em áreas como educação, saúde e meio ambiente, e de fortalecimento da auto-organização indígena para defesa de seus direitos.
“A gente ficou muito feliz quando foi contemplado. Em uma retomada, as pessoas precisam de muita coisa. O apoio do Fundo Brasil tem sido fundamental, porque aqui no Mato Grosso do Sul a gente não consegue suporte para nada, ainda mais quando falamos de juventude. Estamos conseguindo realizar muita coisa com esse apoio”, disse Jânio Kaiowá.
O edital foi lançado no âmbito da Aliança entre Fundos, uma iniciativa que reúne o Fundo Baobá para Equidade Racial, o Fundo Brasil de Direitos Humanos e o Fundo Casa Socioambiental para apoiar grupos da sociedade civil organizada, especialmente nas pautas dos povos indígenas, comunidades quilombolas e tradicionais. Para saber mais, clique aqui.