Mais de 100 ativistas pelos direitos humanos, de 21 estados brasileiros, representando 75 organizações, coletivos e grupos de base, participaram nos dias 3 e 4 de dezembro do 14º Encontro Nacional de Projetos do Fundo Brasil. O evento é realizado todos os anos presencialmente na cidade de São Paulo. Este ano, para respeitar as medidas de combate à pandemia de Covid-19, foi virtual.
O encontro tem o objetivo de facilitar a articulação do campo de defesa dos direitos humanos no país. É um um momento de análise de conjuntura, compartilhamento de estratégias e também de diálogo e reconhecimento entre grupos com atuações similares ou complementares, mas que estão separados geograficamente.
“A capilaridade é uma característica fundamental do trabalho do Fundo Brasil: desde o primeiro ano da fundação, nossa prioridade é conseguir apoiar projetos em todos os estados e em localidades para onde o fluxo de pessoas e de informações é mais difícil”, avaliou a superintendente do Fundo Brasil, Ana Valéria Araújo. Na abertura do evento, além de detalhar brevemente o trabalho da fundação, ela ressaltou a importância das presenças de todas e todos os participantes.
“Um encontro amplo e representativo como este que realizamos, com participações de ativistas de tantos lugares diferentes, mostra a força de organização da sociedade civil e, ao mesmo tempo, a relevância de se apoiar esse trabalho de defesa de direitos”, completou Ana Valéria.
Os grupos e ativistas presentes têm projetos atualmente apoiados nas seguintes linhas do Fundo Brasil: Justiça Criminal – Cartas Convite, Enfrentando o Racismo a Partir da Base, Edital Geral 2020 – Resistência, Proteção de Defensores de Direitos Humanos e SOS Amazônia.
“Este foi um ano duro, estamos todas e todos cansados. Mas, ao mesmo tempo, sabemos que esses momentos de encontro, de troca, nos fortalecem, fortalecem a luta fundamental dos coletivos, grupos e organizações de todo o país”, disse a superintendente adjunta do Fundo Brasil, Allyne Andrade.
Diante da situação de pandemia, que exige isolamento entre as pessoas, a relevância da atuação em rede, mesmo virtual, foi continuamente destacada por todas e todos os ativistas participantes como estratégia para fortalecer as lutas em todos os territórios.
Olhares para a atualidade
Com atividades pensadas para compor quatro momentos de diálogo e formação ao longo dos dois dias, o encontro teve na mesa de abertura uma ampla análise de diversos aspectos da conjuntura nacional na sua intersecção com as perspectivas e desafios para os direitos humanos no país.
Maria Leusa, liderança indígena do povo Munduruku, falou sobre ataques ao meio ambiente e aos territórios dos povos indígenas e tradicionais, que se agravaram durante este ano de pandemia e culminaram em incêndios florestais que afetaram severamente os biomas Pantanal e Amazônia. O que ficou evidente para o país todo pelas imagens catastróficas que inundaram o noticiário nacional. “Os invasores não estão nem aí para a pandemia”, disse Maria Leusa, representando a Associação das Mulheres Munduruku Wakoborun (PA). O grupo recebe apoio no âmbito da linha SOS Amazônia. “Não respeitam isolamento social e vêm mesmo para matar o nosso povo.”
As populações periféricas do Rio de Janeiro, especialmente da Baixada Fluminense e das favelas, também tiveram o seu direito à vida sistematicamente violado mesmo diante da emergência sanitária trazida pela pandemia. As operações policiais em comunidade continuaram sendo realizadas, apesar de terem sido proibidas pelo Supremo Tribunal Federal em junho. A avaliação foi feita por Patrícia Oliveira, da Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência (RJ), apoiada na linha de Justiça Criminal e Direitos Humanos.
Ayra Dias, do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (Fonatrans), do Piauí, centrou sua análise na necessidade de se conquistar políticas públicas voltadas aos segmentos da população que têm seus direitos mais violados. “O estado brasileiro contribui para essa situação de genocídio de travestis e transexuais no país. A gente precisa de políticas públicas para garantir nossa sobrevivência”, disse. O Brasil lidera o ranking de países que mais matam violentamente travestis e transexuais no mundo – foram 124 assassinatos em 2019. O Fonatrans foi selecionado no edital Enfrentando o Racismo a Partir da Base: Fortalecimento Institucional e Mobilização Para Defesa de Direitos.
Outro segmento que não tem acesso a políticas públicas são os imigrantes e refugiados. James Derson, da Associação dos Haitianos do Rio Grande do Sul, lembrou que essa população não tem direito a disputar cargos eletivos no Brasil. “É muito difícil lutar pelos nossos direitos. Os eleitos não têm interesse nas nossas reivindicações”, disse o ativista. Selecionada no edital Resistência, do Fundo Brasil, este é o primeiro apoio recebido pela Associação dos Haitianos do Rio Grande do Sul.
Integrante do Coletivo de Mulheres Negras de Cáceres (MT), Sara Silva também destacou a relevância do primeiro apoio da história da organização que ajuda a construir – selecionada no edital Enfrentando o Racismo a Partir da Base: Fortalecimento Institucional e Mobilização Para Defesa de Direitos. “Estamos ampliando nossa relevância no debate municipal”, considerou a ativista. No município, localizado na fronteira com a Bolívia, mulheres imigrantes também precisam lutar por direitos básicos. Além delas, indígenas, quilombolas e ribeirinhas passam por seguidas violações. “O nosso coletivo acaba dialogando e formando redes com todas essas mulheres para enfrentar problemas como tráfico de drogas, exploração do trabalho sexual, racismo ambiental e disputa por territórios”, disse.
Rodas de conversa e oficinas
O Encontro de Projetos do Fundo Brasil teve ainda rodas de conversa específicas sobre os temas abordados em cada edital, nas suas variadas perspectivas.
O segundo dia foi voltado a oficinas, com diálogos específicos sobre comunicação, captação de recursos, elaboração de relatórios e prestação de contas sobre projetos apoiados.