Reconhecido na Constituição de 1988, o direito à propriedade definitiva das comunidades quilombolas ainda enfrenta desafios significativos em relação à titulação de seus territórios.
Somente recentemente, por meio da pesquisa CENSO 2022 – Quilombolas, conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), foi possível obter dados sobre a população quilombola no Brasil. Os resultados deste ano revelaram que há cerca de 1,32 milhões de quilombolas, correspondendo a 0,65% da população brasileira, concentrados principalmente nas regiões Nordeste e Amazônica do país.
No contexto da agricultura familiar, a situação não se altera significativamente em termos de reconhecimento e visibilidade. Em uma entrevista recente no programa Bom Para Todos, da TV dos Trabalhadores, a militante e pesquisadora em inclusão produtiva quilombola, Robervone Nascimento, destacou a ausência de dados específicos sobre a agricultura quilombola, o que prejudica na garantia de direitos para essas famílias. Ela lamentou: “Os quilombolas estão dentro desse grupo dos 70%, mas, infelizmente, não conseguimos quantificar quantos desses 70% de alimentos são produzidos apenas pelos quilombolas.”
A participação na TVT é uma iniciativa do Fundo Brasil de Direitos Humanos, fundação que mantém uma parceria com a CONAQ para fortalecer a organização para garantir os direitos fundamentais para comunidades quilombolas, dentre eles, a agricultura familiar. Robervone, que também é doutora em agronomia e servidora pública federal no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), ressaltou que a agricultura familiar quilombola está fundamentada na percepção e na prática da soberania alimentar e nutricional. “Os alimentos produzidos pelos quilombos são sustentáveis, orgânicos, limpos e contribuem para o sustento da comunidade quilombola”, afirmou.
Robervone Nascimento / Reprodução Youtube TVT
No programa da TVT, Mayana Nunes, assessora de projetos do Fundo Brasil de Direitos Humanos, também participou do bate-papo e abordou aspectos culturais do território quilombola, destacando sua importância como espaços de resistência e construção de identidades. “Os quilombolas são um grupo étnico-racial com uma trajetória coletiva histórica e um território próprio. O território não tem apenas um significado de exploração, mas também faz parte da constituição das comunidades e identidades, sendo o pertencimento um aspecto marcante da identidade quilombola”.
Historicamente, o racismo estrutural e institucional orquestraram processos de expropriação e espoliação, garantindo a concentração de terras nas mãos de latifundiários e negando terras às comunidades tradicionais, como os quilombolas. A ausência de políticas de regularização fundiária aumenta a desigualdade agrária e constantemente ameaça essas comunidades com despejos, pistolagem e desmatamento para expansão da pecuária extensiva e monocultura.
A trágica perda de Mãe Bernardete, Ialorixá do Quilombo Pitanga dos Palmares, ocorrida em agosto de 2023 na região metropolitana de Salvador (BA), representa a face mais brutal das violações dos direitos humanos das comunidades quilombolas. Essas comunidades enfrentam conflitos intensos na luta pela preservação de seus territórios.
Nesse contexto desafiador, emerge uma ação fundamental: o edital “Fortalecendo saberes e fazeres da agricultura quilombola”, com inscrições abertas até 06 de outubro. Essa iniciativa, lançada pela Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) em parceria com o Fundo Brasil de Direitos Humanos, destinará R$30 mil para 28 comunidades e associações de agricultores. “A ideia dessa parceria é permitir que a CONAQ impulsione sua capacidade de gestão, apoie projetos e promova a sustentabilidade da organização, de modo que, progressivamente, consiga construir de forma autônoma suas estratégias e metodologias”, enfatiza Mayana Nunes.
O objetivo do edital é garantir que as futuras gerações possam continuar promovendo um modelo de agricultura familiar sustentável, fortalecendo assim a agricultura familiar quilombola no país.