Em meio aos muitos episódios de violência arbitrária do Estado contra as populações mais pobres do Rio de Janeiro, vítimas da Baixada Fluminense acabam tendo menos visibilidade que as da capital. A avaliação é de Gabriel Barbosa, um dos diretores do curta-metragem “Nossos Mortos Têm Voz”. No documentário, ele e o também diretor Fernando Sousa trazem à luz os rostos, vozes, lembranças e a luta por reparação de mães moradoras dos municípios de Queimados e Nova Iguaçu cujos filhos foram mortos no episódio que ficou conhecido como Chacina da Baixada. Em 31 de março de 2005, policiais militares assassinaram a tiros 29 pessoas e feriram outras duas.
O documentário “Nossos Mortos Têm Voz” integra o projeto “Grita Baixada: cinema, direitos humanos e educação como instrumento de incidência e mobilização política na Baixada Fluminense”, do Fórum Grita Baixada, apoiado pelo Fundo Brasil no Edital Geral 2017. O filme teve a primeira apresentação pública em 27 de março de 2018, no Cine Odeon, no Rio de Janeiro. A proposta era de que fosse exibido em oito a dez escolas da Baixada Fluminense, no âmbito do projeto. Mas foi bem mais longe.
No último levantamento feito pelos diretores, que são sócios na Quiprocó Filmes, até julho deste ano o curta havia sido exibido em pelo menos 100 localidades de oito países. No Brasil, foram 79 cidades, em lugares como escolas, universidades, festivais de cinema, igrejas, terreiros de candomblé, cineclubes e audiências públicas em casas legislativas. “Depois, perdemos a conta”, disse Fernando Sousa. “Às vezes a gente fica sabendo de alguma exibição porque nos marcam nas redes sociais.”
Desde o lançamento, o filme já foi selecionado para exibição em 14 festivais de cinema e eventos – quatro deles, no exterior, em Paris, Lisboa, Buenos Aires e Berlim. Levou quatro prêmios. O mais recente é a menção honrosa no Prêmio Cine França, uma das categorias especiais do 8º Festival Curta Brasília, realizado entre 12 e 15 de dezembro. Também foi licenciado para o Canal Brasil e está em processo de licenciamento para o Prime Box.
Os diretores comemoram a capacidade de mobilização que o documentário tem mostrado. “É emocionante ver como essas mães colocaram o filme debaixo do braço e saíram por aí para continuar a sua luta por justiça”, comentou Fernando Sousa. “E, quando acompanhamos alguma exibição, sempre acontece de mães se identificarem com as histórias e procurarem a Rede [de Mães e Familiares Vítimas da Violência do Estado na Baixada Fluminense]. Muitas dessas mulheres se juntam depois à luta.
“Contar a trajetória de luta dos familiares por justiça e pelo direito à memória é uma contribuição significativa do filme”, avalia Adriano de Araújo, coordenador do Fórum Grita Baixada. “O documentário também traz o debate sobre como a violência se manifesta nas entranhas dos poderes locais. A presença das mães durante as exibições é sempre um diferencial. São mulheres que buscam superar a dor da perda de seus filhos por meio de um coletivo que luta para manter viva a memória deles”, diz.
Adriano de Araújo destaca ainda que as pessoas que participam dessas rodas de conversa passam a ter outras perspectivas sobre a morte de jovens pobres e negros das periferias. “Percebem a complexidade dessa violência estrutural e do racismo em nossa sociedade”, completa.
Assista ao trailer de “Nossos Mortos Têm Voz”: