Aos 14 anos, o adolescente Caio Daniel Faria foi a última vítima do fogo cruzado entre policiais e traficantes em favelas do Rio de Janeiro. Última? Caio foi morto durante um tiroteio em Manguinhos na quarta-feira, 10 de março, quando jogava bola com amigos. Levou um tiro na perna e outro no abdômen. Enquanto esse texto foi produzido, não é difícil supor que outros jovens tenham perdido a vida da mesma forma. Daí vem o questionamento: última vítima?
“Para os moradores das favelas, os direitos humanos significam direito à vida. É poder amanhecer”, afirma Fransérgio Goulart, do Fórum de Juventudes RJ.
É neste cenário de luta pela sobrevivência que o Fórum de Juventudes lança no dia 21 de março, às 18h, no Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio, na Cinelândia, o aplicativo para celulares “Nós por Nós”, construído a partir de denúncias feitas por jovens moradores de várias favelas do Rio durante as oficinas de cartografia social realizadas pela organização.
A ideia é que o aplicativo seja usado para que jovens denunciem violações de direitos e abusos por meio do envio de vídeos, fotos e textos.
A criação do aplicativo faz parte do projeto “Jovens Negros: incidência política se faz com celulares”, apoiado pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos por meio do edital anual 2015.
O Fórum de Juventudes sentiu a necessidade de ter um mecanismo para encaminhamento de denúncias sobre o impacto da militarização e do racismo no dia a dia de jovens nas favelas. A organização já foi apoiada pelo Fundo Brasil por meio do projeto “Militarização das favelas: os impactos da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) na vida dos jovens negros”.
Rodas de conversa, oficinas de criação e um seminário fazem parte do processo de desenvolvimento do “Nós por Nós”.
Além do campo para encaminhamento de denúncias para instituições, organizações e rede de apoio, o aplicativo terá informações para que os jovens conheçam os seus direitos e também um mapeamento da violência.
Você matou meu filho
Segundo a Anistia Internacional, 5.132 pessoas foram mortas por policiais em serviço entre 2005 e 2014 na cidade do Rio de Janeiro. A grande maioria era de jovens negros moradores de favelas.
De acordo como relatório “Você matou meu filho – homicídios cometidos pela Polícia Militar no Rio de Janeiro”, da Anistia, a discriminação racial e as desigualdades fazem com que a população negra, especialmente os jovens negros, seja a mais vulnerável.
É uma realidade nacional. Das mais de 56 mil vítimas de homicídio em 2012 no Brasil, 30 mil eram jovens entre 15 e 29 anos. Desse total, mais de 90% eram homens e 77% eram negros.
Em geral, diz a Anistia, os registros dessas mortes são feitos como “homicídios decorrentes de intervenção policial”, com a descrição de confronto e policiais agindo em legítima defesa. As investigações são raras, o que dificulta a conclusão oficial sobre uso desproporcional da força.
“Jovens negros enfrentam diariamente a violência institucional”, relata o Fórum de Juventudes RJ.
O Fundo Brasil apoia também a Rede de Comunidades e Movimentos contra Violência, que busca fortalecer a atuação de familiares de vítimas de violência institucional na luta por justiça. A organização oferece solidariedade e mobilização política e pela defesa dos direitos humanos.
A Rede de Comunidades apoia pessoas como Ana Lúcia de Oliveira, que perdeu o filho de 20 anos em 2008.
“Quando a gente sofre esse tipo de violência, fica desorientada”, diz. “A gente não espera que isso aconteça. Pensa que vai agir de um jeito e age de outro”, conta.
O filho dela foi morto por milicianos.
Fundo Brasil
O Fundo Brasil trabalha para promover os direitos humanos e sensibilizar a sociedade para que apoie iniciativas capazes de gerar novos caminhos e mudanças significativas para o país.
A fundação disponibiliza recursos para o apoio institucional e para atividades de organizações da sociedade civil e de defensores de direitos humanos em todo o território nacional.
Em quase dez anos, já destinou R$ 11,7 milhões a cerca de 300 projetos em todas as regiões do país.
Além da doação de recursos, os projetos selecionados são apoiados por meio de atividades de formação e visitas de monitoramento.
Acompanhe aqui mais informações sobre o aplicativo.