Diante dos desafios à sustentabilidade das organizações da sociedade civil no Brasil, a atividade de captação de recursos se apresenta como uma necessidade.
O mercado da captação de recursos com indivíduos está em crescimento no país. Desde 2015, o Fundo Brasil experimentou diferentes formatos para a área até chegar ao atual, com um planejamento estratégico de longo prazo construído com apoio de uma consultoria externa, implantado, coordenado e executado por equipe interna.
Esta trajetória foi apresentada ao público no primeiro dia do Festival ABCR 2020, maior encontro de formação para captadores de recursos do país. Nesta edição, o evento foi todo online, nos dias 29 e 30 de junho. Na palestra “Qual perfil de consultoria e fornecedores sua organização precisa?”, a gerente de Relacionamento com a Sociedade do Fundo Brasil, Débora Borges, e a coordenadora de Projetos do Instituto Jatobás, Isabel Pato, abordaram a escolha de fornecedores e de um modelo de captação que faça sentido para cada organização.
Também falaram sobre a necessidade de construir um plano realista, adequado à capacidade de realização da equipe, e com perspectiva e resultados de médio e longo prazos.
Manter-se em contato com uma rede de profissionais que já atuam em captação de recursos, para manter os conhecimentos atualizados, é outra atitude fundamental para o sucesso das estratégias de captação.
Na escolha de fornecedores e consultores, as palestrantes mencionaram a importância de avaliar a consistência de propostas e cronogramas; conversar antes com quem já contratou os mesmos serviços; e de escolher fornecedores que acreditem na causa em questão e já tenha atuado no mesmo campo.
Filantropia na pandemia
O Fundo Brasil também compôs a mesa “Filantropia comunitária e de justiça social em tempos de Covid-19”. Allyne Andrade e Silva, superintendente adjunta do Fundo Brasil, Selma Moreira, diretora executiva do Baobá – Fundo Para a Equidade Racial, e Roberto Vilela, diretor executivo da Tabôa Fortalecimento Comunitário, apresentaram as experiências das três organizações no enfrentamento à pandemia.
Mediadora da mesa, Graciela Hopstein, coordenadora executiva da Rede de Filantropia para a Justiça Social, destacou que fundos e fundações que integram a rede mostraram uma enorme capacidade de rápida articulação e implementação de soluções para fazer frente à Covid-19. Foram poucas semanas desde a chegada massiva da pandemia ao país e as primeiras iniciativas, entre doação emergencial de recursos, ações de comunicação e campanhas de captação.
Segundo Graciela, os fundos e fundações que integram a rede doaram um total aproximado de R$ 9 milhões em dinheiro para quase 1 mil iniciativas de ajuda humanitária e defesa de direitos no contexto da pandemia, e cerca de R$ 1 milhão em outros tipos de apoio, como a arrecadação e doação de cestas básicas e produtos de higiene.
“Diante da pandemia, o Fundo Brasil se deparou com o desafio de se mobilizar para a ajuda humanitária, que não é o nosso tipo de atuação”, disse Allyne.
Ela detalhou a atuação do Fundo Brasil em quatro frentes para responder ao desafio. A fundação se apressou em flexibilizar parte dos recursos já repassados a grupos apoiados no âmbito de editais para que pudessem ser redirecionados a ações contra a pandemia. Também mobilizou recursos próprios e procurou financiadores para construir o Fundo de Apoio Emergencial: Covid-19, que recebeu mais de 2.300 pedidos. Apostou ainda em esforços de comunicação para centralizar informações sobre possibilidades de apoio a grupos, organizações e coletivos da sociedade civil, na página Covid-19 – Promover Direitos Humanos no Contexto da Pandemia. E criou uma grande campanha de captação de recursos com indivíduos que mobilizou 19 artistas de forma voluntária.
O Baobá – Fundo para a Equidade Racial também criou uma linha de apoio que doou um total de R$ 875 mil a 350 pedidos. O foco, segundo Selma Moreira, foram pedidos voltados ao enfrentamento às desigualdades raciais feitos por grupos e indivíduos que enfrentam a precariedade social em periferias, áreas rurais, quilombos e outras, além de população de rua, imigrantes e parcelas da sociedade em situação de vulnerabilidade acentuada pela pandemia.
Roberto Vilela contou que a Tabôa, fundação que fica em Uruçuca, no sul da Bahia, e atende comunidades também em Ilhéus e Itacaré, começou suas resposta à Covid com imediata mobilização para doação de cestas básicas e kits de higiene às comunidades de agricultores no sul da Bahia. O elo com essas comunidades foram as lideranças dos bairros. “Foi uma ação imediata de apoio humanitário que nunca tínhamos feito”, disse. Também foi feita ação com costureiras da região que resultou na doação de 4 mil máscaras. Além disso, viabilização de logística para que os pequenos agricultores continuassem vendendo seus produtos, o que inclusive ajudou a evitar desabastecimento na região, e ações de microcrédito para agricultura familiar.
Projetar o médio e o longo prazo no contexto da presença da pandemia – e ainda sem indicativos confiáveis de que a emergência esteja perto de terminar – é o desafio que os fundos e fundações identificam neste momento. “A pandemia mostrou que o desafio agora é pensar a longo prazo”, disse Selma, do Baobá.
“Não vejo ainda como falar em pós-pandemia”, disse Allyne, do Fundo Brasil. “O Fundo Brasil tem uma particularidade que é a atuação muito ampla no campo dos direitos humanos. E isso no contexto atual, em que o conservadorismo deslegitima a narrativa dos direitos humanos. Então nós precisamos fazer a contranarrativa, conscientizar a sociedade de que são esses direitos que tornam possível inclusive a manutenção do pacto civilizatório. E que seja uma contranarrativa engajadora, que se converta em apoiadores.”