No intervalo entre a última semana de julho e a primeira semana de agosto, a equipe do Fundo Brasil de Direitos Humanos foi à região no norte do país fazer visitas de monitoramento. Esse processo é uma etapa importante do trabalho do Fundo Brasil junto dos grupos apoiados nos editais. Fortalecer a sociedade civil organizada passa por encontrar lideranças, conhecer o trabalho de perto e praticar a escuta ativa sobre a realidade de uma organização.
Na maioria desses acompanhamentos, a equipe da fundação vai aos territórios dos projetos apoiados oferecer apoio técnico e ajudar no fortalecimento da atuação do grupo. Entretanto, dois eventos foram sede das conversas sobre o andamento dos projetos: o 10° Fospa – Fórum Social Pan-Amazônico, em Belém (PA) e a 13ª Assembleia Geral da COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, no Oiapoque (AP).
As organizações que se encontraram com a assessora de projetos Juliane Yamakawa e o assessor de comunicação Airan Albino desenvolvem projetos no contexto do Apoio Emergencial para organizações indígenas na Amazônia Legal – SOS Amazônia. Esse apoio emergencial busca responder rapidamente a pedidos que tenham como objetivo enfrentar as ameaças a povos indígenas na defesa de seus direitos e de seus territórios.
Belém. O encontro com a Associação de Mulheres do Alto Rio Negro (AMARN) ocorreu durante o Fospa, na Universidade Federal do Pará. O evento reuniu defensores dos direitos humanos que promovem ações para o bem viver da Bacia Amazônica.
Numiã Kurá na língua Tukano significa “Grupo de Mulheres”, essa é uma das formas como Associação de Mulheres do Alto Rio Negro se identifica. São mulheres de diferentes povos que vivem nas proximidades do Rio Negro – mas que foram para Manaus em busca de trabalho e acabaram em situação de vulnerabilidade. Dentro do projeto apoiado, a AMARN desenvolve ações que denunciam violações de direitos dos povos indígenas do estado do Amazonas junto de outras seis organizações, que são parte da comissão da Frente Amazônica de Mobilização em Defesa dos Direitos Indígenas (FAMDDI).
Entre os atos de denúncia da AMARN dentro da FAMDDI estão o ato pela vida dos Yanomami e a participação na Retomada Coletiva do Movimento Indígena do Amazonas, que debateu conquistas e os desafios do movimento em março deste ano. “O projeto ajudou muito a defender os direitos das populações indígenas, da violência de um modo geral, mas principalmente das mulheres. E a gente não ficaria só na AMARN, nós queremos atingir mulheres em geral do alto Rio Negro, Santa Isabel, Barcelos, mulheres que estão na cidade também, passando por essa questão da violência”, conta Isabel Dessena, antropóloga e parte da diretoria da AMARN.
Dentro dos seus 35 anos de atuação, a Numiã Kurá vê, também, o artesanato como uma forma de manter a identidade de cada povo presente na associação e de fortalecer a multiplicidade de sua comunidade. “A gente precisa ser visibilizado mesmo na cidade, eu sei que a gente tem um histórico de apagamento. O próprio Estado constrói uma relação de cerceamento e apagamento, dizendo que os indígenas que estão na cidade não têm mais relação com cultura, e pelo contrário, a gente trabalha com artesanato e todo o nosso trabalho é com matéria-prima que vem das comunidades, dos nossos parentes. Estando na cidade, a gente contribui muito lá”, fala Clarice Arbela Tukano, coordenadora-geral da AMARN.
Oiapoque. Na primeira semana de agosto, aconteceu a Assembleia da COIAB, onde foi definida a nova coordenação executiva da organização, além dos representantes da COIAB na APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e na COICA (Coordenadoria das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica). O encontro político recebeu representantes de 64 regiões de territórios indígenas, divididos nos estados tocados pela Amazônia Brasileira – toda região norte, além do Maranhão e Mato Grosso.
O território escolhido para sediar a assembleia foi a Aldeia Manga, localizada na Terra Indígena Uaçá. A região também abarca outros dois territórios: a TI Juminã e a Galibi, essa última é casa da Associação Nana Kali’na. O apoio do Fundo Brasil permitiu a realização de ações de fiscalização e proteção da Terra Indígena Galibi, como plaqueamento de identificação, vigilância e monitoramento territorial para evitar possíveis invasões e roubos.
Por ser uma área internacional (fronteira entre o Brasil e a Guiana Francesa), o Rio Oiapoque tem um fluxo intenso de pessoas que, muitas vezes, praticam atividades clandestinas no local, como o garimpo ilegal. Os territórios indígenas ficam às margens do rio e, por isso, sofrem com invasões em suas terras, contaminação de mercúrio na região, roubo de voadeiras (canoas), entre outros riscos.
A Associação Nana Kali’na é liderada por mulheres em sua maioria e o trabalho da organização na proteção do território, virou exemplo para as outras comunidades do Oiapoque. “Nós somos as principais lideranças contra o garimpo aqui na região. Somos três territórios indígenas, mas consideramos um só. Então, tentamos usar isso a nosso favor e levar para os outros a importância de proteger o território. Começamos a debater e ir contra a questão do garimpo, e acabamos nos tornando referência em relação a essa luta aqui dentro”, conta Kassia Lod, responsável pelo projeto da Nana Kali’na.
“O que eu quero destacar é o fortalecimento das lideranças. O quanto este projeto está trazendo o aprendizado para nós enquanto organização. A nossa capacidade de administrar, de gerir, de fazer acontecer as coisas que não são da nossa realidade. Essa fiscalização que fazemos é para além de uma fiscalização, foi um reconhecimento, uma retomada de um território, de uma história”, afirma Renata Lod, da diretoria da associação.
Outra organização que conversou com a equipe do Fundo Brasil foi o CIR – Conselho Indígena de Roraima. Em seu projeto apoiado, são realizadas ações que ampliam a visibilidade acerca de ameaças e situações concretas de violação de direitos indígenas no estado. A delegação de Roraima foi destaque durante a assembleia na Aldeia Manga, conseguindo eleger representantes do seu estado para a coordenação executiva da COIAB. A força do CIR vem tanto do tamanho da organização quanto dos desafios enfrentados pelo conselho em seu trabalho.
O estado de Roraima possui 261 comunidades indígenas, são 55 mil pessoas nas 32 Terras Indígenas – que equivalem a 10 milhões de hectares. “Hoje nós temos uma rede de inteligência, grupo de comunicação, grupo de proteção territorial, nós temos brigadistas, temos operadores de direitos indígenas, que não são advogados mas que dominam Projetos de Lei, nós temos, também, gestores territoriais que estão formados, técnicos de agropecuária, gestão ambiental, antropólogos, advogados, uma equipe de verdade para mostrar quem somos nós”, explica Edinho Macuxi, Coordenador Geral do CIR.
“Nós estamos, também, trabalhando com os PGTA (Plano de Gestão Territorial e Ambiental) das Terras Indígenas, que nos ajuda a fazer o zoneamento, para poder trabalhar a organização econômica, política, social e cultural da nossa comunidade. Essa projeção de 50, de 100 anos que a gente não quer contar a história de um rio para os nossos filhos por um desenho – a gente quer mostrar de fato como ele é. Então, tudo isso para nós é uma bandeira de luta que a gente não vai abrir mão. Pode custar a vida, mas é a luta que segue. Se morrer 10, vai nascer 1.000, se morrer 1.000 vai nascer 10.000, a gente vai continuar”, finaliza.