Entre os dias 12 e 15 de outubro, a equipe do Fundo Brasil de Direitos Humanos visitou a Aldeia Lagoa Rica, em Douradina, no Mato Grosso do Sul, para conversar com as organizações apoiadas no edital Em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, desenvolvido no âmbito da Aliança entre Fundo.
Nestas visitas de monitoramento aos grupos que recebem apoio, o Fundo Brasil acompanha de perto a realidade local e escuta dos representantes locais uma rápida avaliação sobre o projeto desenvolvido.
Faz parte do trabalho da fundação oferecer assistência técnica e estratégica às organizações apoiadas para fortalecer as capacidades do projeto. Respeitando a autonomia e o planejamento já estabelecidos pelo grupo, o Fundo Brasil potencializa cada um a distinguir o alcance e a efetividade de suas ações.
O Fundo Brasil aproveitou a realização da Assembleia da Juventude Guarani e Kaiowá para participar, como convidado, e ouvir grupos apoiados, que estariam entre os mais de 600 indígenas presentes no encontro.
Neste monitoramento no município sul mato-grossense, a assessora de projetos, Juliane Yamakawa conversou com lideranças jovens do movimento indígena que executam os projetos em dois territórios: Douradina/MS e Ibirama/SC.
Associação da Juventude Xokleng
Viajando mais de 24 horas para estar na presença de outros parentes, a juventude indígena Xokleng levou à Assembleia da Juventude Guarani Kaiowá cerca de três ônibus.
Em conversa com a representante do Fundo Brasil, Jaciara Priprá falou sobre as primeiras atividades do projeto, que visa promover a articulação dos jovens e a valorização da cultura Xokleng. “Nós já realizamos o encontro em seis aldeias. A gente recorreu ao apoio do Fundo Brasil ao perceber que nossas lembranças familiares, as dos nossos ancestrais, estavam se perdendo. As crianças estão nascendo e perdendo os nomes tradicionais que herdamos dos nossos pais, avós, por exemplo”.
Jaciara explicou que o movimento da juventude Laklãnõ Xokleng, no resgate e na preservação da memória indígena, passou a ser visto com bons olhos e recebeu o apoio das anciãs e dos anciãos, que antes acreditavam que a juventude era inexperiente para a tomada de decisões.
“A gente percebeu que algumas lideranças também estavam com receio do nosso propósito, mas eles viram que o trabalho era sério. Eles passaram a valorizar a gente ainda mais. Quando a gente retoma a nossa cultura, as lideranças, que eram um pouco contra, perceberam que esse movimento é importante dentro do território para não perder a nossa história”.
Os encontros da juventude abordaram temas como a força da música e do canto, o que é medicina tradicional, a importância das mulheres para a existência Xokleng, os desafios atuais da juventude indígena, preservação ambiental do território, entre outros. “Conversamos bastante também sobre como enfrentar o racismo, o preconceito e a violência contra nosso povo, fortalecendo nossa autoestima”, disse Jaciara.
Hoje, a Associação da Juventude Xokleng conta com 40 jovens atuando em diferentes frentes. Quando tudo começou, em 2019, o grupo contava com apenas seis integrantes. Para Jaciara, este é um crescimento que demonstra a importância das ações voltadas para a participação dos mais novos.
“Mesmo sendo poucos, a gente se reuniu para fazer ações dentro do território. Começamos recolhendo alimentos para a comunidade, brinquedos para as crianças e foram chegando cada vez mais voluntários. De toda forma, o Fundo Brasil foi o primeiro apoio que recebemos. Esse apoio nos encorajou a realizar ainda mais e temos até novos projetos em mente”, conta Jaciara.
Até o fim do ano, o grupo tem o objetivo de realizar 10 encontros. “Já estamos acertando os últimos detalhes e vamos nos reunir em diferentes territórios até o fim de dezembro”.
Todos os encontros realizados pela juventude Laklãnõ Xokleng, no âmbito do edital Em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, são registrados pelos integrantes e renderão futuros conteúdos para as redes sociais, além de contribuir para a preservação da história da etnia com a produção de vídeos.
Retomada Aty Jovem
A Retomada Aty Jovem (RAJ) foi uma das responsáveis pela Assembleia da Juventude Guarani e Kaiowá. O evento também recebeu apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos.
O projeto da RAJ, apoiado pelo edital Em Defesa dos Direitos do Povos Indígenas, visa fazer um mapeamento sobre os casos de suicídio nos territórios indígenas do Mato Grosso do Sul para pensar em possíveis caminhos para a prevenção e para o fortalecimento da saúde mental dos jovens.
“Esse era um assunto bem delicado, um tabu no nosso território. Mas aos poucos, estamos conseguindo conversar sobre como anda a saúde emocional dos nossos indígenas. Com esse levantamento, a gente espera que a sociedade tenha consciência de que entre os jovens indígenas existe um problema muito grave, que precisa ser avaliado e precisa de uma política voltada para isso”, contou Rose Kaiowá, da RAJ para a assessora de projetos do Fundo Brasil, Juliane Yamakawa.
Para chegar à casa das pessoas e conversar sobre o tema, Rose Kaiowá diz que sempre leva algo para as famílias, já que precisam de alimento, de lona e de roupas. “Não podemos chegar na casa das pessoas de mãos vazias, ainda mais sabendo que estão desamparadas. O recurso que recebemos do Fundo Brasil tem apoiado a gente na logística para chegar até elas, levando o que precisam. Às vezes um remédio, um arroz, o plástico que usam para cobrir o telhado”, explica Rose. “Por isso a gente ficou feliz quando foi contemplado, porque em uma retomada, as pessoas precisam de muita coisa”.
Nomeada por um coletivo de jovens indígenas, a RAJ surgiu em 2012, durante a grande Assembleia do Aty Guasu Guarani Kaiowá, que ocorreu em Pirajuí, município de Paranhos, no Mato Grosso do Sul.
“Muitos jovens presentes naquele encontro decidiram se reunir para manter vivas a resistência e a memória de muitas lideranças que perderam suas vidas defendendo o nosso território. Vamos continuar com a mesma vontade e força para retomar o que nos foi tirado”, afirmou Jânio Kaiowá.
A Retomada Aty Jovem conta hoje com 80 conselheiros, além de diferentes aldeias em terras indígenas e, também, retomadas.
“Queremos discutir sobre nossas vivências, nosso cotidiano e o que vemos dentro e fora dos territórios, que são o preconceito, o racismo, a violência e a intolerância”, disse Rose. “A retomada é você voltar àquilo que você pertence e essa é a vontade da nossa juventude. Hoje, o nosso maior sonho continua sendo o sonho dos nossos ancestrais: que é ter nosso território, a demarcação de terra”, finaliza.