Por Bianca Feifel, para CESE. Com Fundo Casa Socioambiental, Fundo Brasil de Direitos Humanos e Podáali – Fundo Indígena da Amazônia Brasileira
Diante dos desafios impostos pela emergência climática aos povos e comunidades tradicionais, bem como às fundações filantrópicas independentes que apoiam essas populações, quatro fundos organizaram, em Brasília, um encontro para dialogar e trocar experiências sobre caminhos de fortalecimento de fundos comunitários criados recentemente ou em processo de consolidação.
O encontro, que ocorreu entre os dias 27 e 29 de fevereiro, foi organizado pela Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), Fundo Casa Socioambiental, Fundo Brasil de Direitos Humanos e Podáali – Fundo Indígena da Amazônia Brasileira.
Esses fundos locais apoiam o ativismo voltado à justiça social tendo como estratégia central o fortalecimento do protagonismo e da autonomia das comunidades e segmentos da população atingidos por violações de direitos. São mecanismos para mobilizar e gerir o apoio financeiro e técnico a projetos relacionados aos direitos humanos, à justiça climática e socioambiental, ao bem viver das comunidades e à valorização de seus aspectos culturais, econômicos e modos de organização, bem como ao seu fortalecimento institucional, entre outras questões.
Os fundos comunitários e territoriais são criados e geridos pelas próprias comunidades onde estão inseridos. Convidados pelos organizadores, participaram do encontro oito fundos comunitários e territoriais: Fundo Babaçu, Fundo Autônomo de Mulheres Rurais da Amazônia ‘Luzia Dorothy do Espírito Santo’, Fundo Quilombola Mizizi Dudu, Fundo Dema, Fundo Indígena do Rio Negro (FIRN), Fundo Timbira, Fundo Puxirum dos Extrativistas da Amazônia Brasileira e Fundo PPP-ECOS. Também estiveram presentes a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ), organizações que ainda estão articulando a criação de fundos próprios.
O evento foi marcado pela diversidade. Contou com a participação de organizações de diferentes formas de estruturação, financiamento e atuação, o que ajudou a garantir a riqueza e a pluralidade do debate. “A grande maioria dos fundos que participaram desse encontro nasceu dos movimentos sociais, alguns mais antigos e outros mais recentes, alguns com abrangência territorial e outros abrangência nacional, mas no fundo, todos possuem o mesmo objetivo: levar recursos diretamente para as comunidades locais”, afirmou Cristina Orpheo, diretora executiva do Fundo Casa Socioambiental.
Capilarizar recursos
Durante os três dias de atividades, os participantes trocaram saberes e experiências sobre os desafios e as oportunidades que marcam a criação e a consolidação de fundos no Brasil.
“O trabalho dos fundos independentes se diferencia pela capilaridade, pela capacidade de chegar até as comunidades e os territórios que precisam desse apoio para se fortalecer. Esse é um modo de fazer potente e que, neste momento, tem enorme potencial de crescimento e para impulsionar alternativas efetivas para os desafios impostos pela crise climática”, destacou Ana Valéria Araújo, superintendente do Fundo Brasil de Direitos Humanos.
O financiamento climático, estratégia de distribuição internacional de recursos para apoiar países no combate aos efeitos das mudanças climáticas, foi destacado como oportunidade para os fundos avançarem em seu trabalho de fortalecer as comunidades em seus territórios. O assunto também esteve em discussão durante o encontro do G20, que ocorreu na semana anterior, no Rio de Janeiro.
Valeria Paye, diretora executiva do Podáali, detalhou como se dá o fortalecimento dos povos indígenas com apoio dos fundos filantrópicos. “É da natureza dos povos indígenas o cuidado com o território e com a mãe terra. Por isso, o fundo apoia a autonomia deles, no sentido de continuarem fazendo o que já fazem. A gente não determina o que eles têm que fazer, eles que decidem. Essa é a mudança”, destacou a diretora, que é indígena do povo Tiriyó e Kaxuyana.
Desta forma, defender os modos de vida dessas populações tradicionais é garantir a preservação do meio ambiente, o que explica a relevância de impulsionar e fortalecer suas propostas de soluções e suas formas ancestrais de se relacionar com a natureza.
Representantes dos fundos comunitários e territoriais convidados refletiram sobre como os recursos podem contribuir na luta por justiça climática na Amazônia e em todo o território brasileiro. “Os recursos que chegam aos fundos, chegam na ponta, nas bases, para executar projetos que são demandas dos povos tradicionais, indígenas, agricultores e agricultoras familiares”, disse a educadora popular e presidenta do comitê gestor do Fundo Dema, Maria das Graças Costa.
“Nós trabalhamos com a proteção do meio ambiente, nós somos guardiãs das florestas”, completou Emília Alves, representante do Fundo Babaçu, criado para fortalecer mulheres quebradeiras de coco babaçu.
O papel das redes
A organização em redes foi uma das estratégias apontadas para fortalecer os fundos, gerar confiança e credibilidade diante dos financiadores. O debate sobre essa estratégia contou com apresentações de duas redes, que detalharam sua constituição e atuação.
A Rede Comuá foi criada em 2012 com a finalidade de fortalecer seus membros e atuar em incidência junto à filantropia nacional, regional e internacional, pautando e disseminando as agendas comunitárias e de justiça social.
“Os fundos independentes, comunitários e territoriais que compõem a Rede Comuá são muito mais que repassadores de recursos. Produzem conhecimento e metodologias de relacionamento com as populações. Sem essa expertise e trabalho, o financiamento não chega às comunidades que dele precisam”, afirmou Graciela Hopstein, diretora executiva da Comuá, que reúne 16 dessas organizações.
A Comuá publicou um mapeamento de organizações independentes doadoras para a sociedade civil nas áreas de justiça socioambiental e desenvolvimento comunitário no país. O levantamento inédito apontou contribuição significativa desses fundos para a luta por direitos feita por organizações de base.
Já a Rede de Fundos Comunitários da Amazônia é composta por 12 fundos, dos quais oito estão estabelecidos e quatro estão em processo de criação. Dentre as pautas comuns dos membros estão a justiça climática, que deve priorizar diretamente os povos da floresta, o respeito aos princípios e procedimentos dos fundos e a adequação à realidade dos povos, comunidades e seus territórios.
“A gente vê a importância de estar em rede, de como a gente se fortalece, se respeita, contando com a especificidade de cada fundo”, afirmou Valéria Carneiro, representante do Fundo Quilombola Mizizi Dudu.
Aprendizados
Coordenador de Projetos e Formação da CESE, Dimas Galvão considerou o encontro um rico espaço de trocas entre fundos com trajetória já consolidada e os que estão em formação. “É uma forma de contribuir para que outros fundos continuem sendo criados e tenham uma existência robusta e permanente no tempo. De forma que os povos tradicionais consigam afirmar a sua autonomia e seu protagonismo na história, aprendendo também a gerir os próprios recursos de seus projetos”, afirmou.
A CONAQ é uma das organizações convidadas para o encontro que vem estudando a possibilidade de criar um fundo nacional quilombola. Kátia Penha, diretora de Projetos da CONAQ, destacou o intercâmbio de conhecimentos proporcionado pelo encontro. “Foi muito valioso para entender o que é um fundo, como é a dinâmica de um fundo que nasce a partir de um movimento social e como seria essa construção em uma dinâmica nacional, com a diversidade de biomas, territórios, estados e regionalidades”, afirmou.