O Agreste Pernambucano produz 800 milhões de peças de vestuário a cada ano e abriga mais de 18 mil empresas do setor têxtil nas cidades de Caruaru, Santa Cruz do Capibaribe, Toritama e Surubim, segundo dados da Assembleia Legislativa do estado. É neste contexto que o Instituto da União dos Estudantes de Santa Cruz do Capibaribe (UESCC) dá início às atividades do projeto “Trabalho decente e indústria responsável: por uma moda consciente e uma infância protegida no Polo da Moda do Agreste de PE”.
O projeto tem como foco enfrentar as violações de direitos de crianças e adolescentes por meio de conscientização e responsabilização dos empresários da região. A iniciativa é apoiada no edital “Combatendo o Trabalho Infantil na Indústria da Moda”, do Fundo Brasil.
Entre as ações no contexto do projeto estão previstas palestras e oficinas em escolas com objetivo de fortalecer o trabalho coletivo. Para contribuir com a formulação de políticas públicas de enfrentamento às violações, foi criado um comitê que já conta com adesão de entidades empresariais.
Coordenadora do Instituto UESCC e do projeto, Virgínia Vasconcelos afirma que o trabalho infantil é consequência do cenário de alta informalidade no Polo da Moda. “Esse contexto inibe fiscalizações e não permite rastrear as condições de trabalho nas fábricas e confecções”, disse. Ainda segundo a coordenadora, a dinâmica de terceirizações nesta indústria estimula produção em ambiente doméstico, o que invisibiliza e naturaliza o trabalho infantil, com pouca conscientização sobre seus efeitos no desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Iniciativas dão início ao projetos
Outros grupos também já deram início às atividades dos projetos apoiados no edital “Combatendo o Trabalho Infantil na Indústria da Moda”. O Instituto Vladimir Herzog convidou estudantes de Jornalismo da cidade de São Paulo a participarem do Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão na categoria especial “Trabalho Infantil na Moda”. Duas propostas foram selecionadas pelo instituto, visando o desenvolvimento de reportagens jornalísticas no formato podcast.
O Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias do Vestuário de Sorocaba e Região lançou na Câmara de Vereadores da cidade o projeto “Estar na moda é combater o trabalho precário e infantil”. A proposta é dialogar com empresas, sociedade e trabalhadores sobre a importância do enfrentamento ao trabalho precário e, em especial infantil, na indústria da moda. O projeto prevê a realização de debates e formulação de estratégias para confrontar o problema.
O educador social Wilbert Rivas criou o Canicas, um projeto de prevenção e erradicação do trabalho infantil migrante na indústria têxtil. Tem como base de intervenção a promoção da democracia e interculturalidade em escolas públicas de São Paulo, com as crianças e famílias migrantes e os servidores. Canicas são um brinquedo conhecido em toda América Latina sob várias denominações: burica, cachinas, bolinhas de gude e muitas mais.
A professora Silvia Pinheiro é a idealizadora do “Costurando meus direitos”, uma formação em corte, costura e modelagem que pretende oferecer alternativas às mulheres em situação de vulnerabilidade no Rio de Janeiro. Os objetivos das oficinas serão promover a cidadania e conhecimento sobre os direitos humanos fundamentais das mulheres e das crianças que delas dependem.
Grupos se encontram no Rio de Janeiro
As 11 organizações selecionadas no edital participaram de um encontro inicial de trabalho realizado pelo Fundo Brasil no Rio de Janeiro. Fortalecer as organizações da sociedade civil por meio de atividades de formação e articulação é parte da missão estratégica do Fundo Brasil.
Com o objetivo de estabelecer uma rede de apoio entre as organizações, quatro convidadas e convidados realizaram oficinas e palestras com os participantes. Marques Casara, pesquisador e diretor da Papel Social, apresentou um panorama do trabalho infantil na indústria da moda no Brasil. Ele informou aos participantes que 8 em cada 10 trabalhadores de confecção são mulheres, e que a maioria está em situação de informalidade: são em torno de 1 milhão de trabalhadoras nesta situação.
Marques Casara disse ainda que as pesquisas conduzidas por sua organização mostram que parte das mulheres que trabalham em indústrias têxteis ilegais sabem que são exploradas; no entanto, para garantir renda, chegam a implorar por mais trabalho. “Os filhos veem a situação das mães e acabam querendo fazer igual, para ajudar”, disse o consultor. Essa situação perpetua o ciclo de exploração e violações.
Fransérgio Goulart, militante do Movimento de Favelas, fez uma apresentação sobre a relevância da atuação de defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil a partir das diferentes opiniões e atuações dessas lideranças na atual conjuntura brasileira. “Quem tem medo aqui? Quem não tem medo?”, provocou. Depois disse que o medo é um indicador positivo, que ajuda a ter cautela e a sobreviver. “Na conjuntura que a gente está vivendo, o medo é um termômetro para ver até onde a gente vai.”
O autocuidado, hoje, é uma pauta importante no contexto de militância. Neste sentido, a ativista Jelena Djordjevic conduziu uma reflexão sobre o significado do autocuidado no contexto de militância, tanto coletivamente como de forma individual. Ela ainda propôs uma oficina com exercícios de alongamento e meditação guiada. “Muitos movimentos não existiriam se não fossem cuidados, como o movimento negro, o movimento de mulheres, o movimento LGBTI+. Isso não é novidade”, disse.
Além deles, João Martinho, representante do Instituto C&A, parceiro do Fundo Brasil para a realização do edital, esteve disponível para conversar com os representantes das organizações apoiadas.
Esta foi a primeira vez que o Fundo Brasil realizou um encontro antes do início efetivo dos trabalhos de organizações e grupos apoiados em um edital temático, como estratégia para fortalecer os projetos e formar uma rede de cooperação.
Sobre o Fundo Brasil
É uma organização independente, sem fins lucrativos e que há 13 anos apoia grupos, coletivos, defensoras e defensores dos direitos humanos em todas as regiões do Brasil. A fundação busca meios sustentáveis de destinar recursos às organizações da sociedade civil e promove atividades de formação e articulação entre os grupos apoiados.
Desde 2006, foram cerca de R$ 22 milhões doados, 490 projetos apoiados e 11 mil propostas submetidas aos diversos editais públicos lançados.
Sobre o Instituto C&A
É um instituto empresarial que atua na promoção de uma indústria da moda mais justa e sustentável no Brasil. O instituto tem o propósito de oferecer apoio técnico e financeiro, trabalhando em rede e fortalecendo seus parceiros para fazer com que a indústria da moda permita que seus trabalhadores prosperem.