Em um período de dez anos (2005-2014), 8.466 pessoas morreram vítimas de homicídios decorrentes de intervenção policial no Rio de Janeiro. O número faz parte do relatório “Você matou meu filho”, da Anistia Internacional, e leva o estado a ser comparado a uma zona de guerra.
“O perfil das vítimas é o jovem negro, do sexo masculino, morador da periferia”, diz Renata Neder, assessora de direitos humanos da Anistia. “E na maioria das vezes são as mães, esposas ou irmãs que se mobilizam”.
A costureira Irone Maria Santiago, 51 anos, faz parte desse grupo de mulheres. O filho, Vitor Santiago Borges, teve uma perna amputada, perdeu parte do pulmão e sofreu lesão medular após ser baleado por militares da Força de Pacificação do Complexo da Maré, na zona norte do Rio, em 2015.
Ele voltava da comemoração por uma vitória do Flamengo, ao lado de quatro amigos. O carro parou para um deles descer na favela Salsa e Merengue, que faz parte do Complexo da Maré. Os amigos já haviam sido abordados antes por militares e seguiram adiante, sem problemas. Na Salsa e Merengue, no entanto, foram baleados. Vitor levou dois tiros de fuzil.
Aos 29 anos, ele trabalhava em uma empresa de prótese dentária e estudava. Agora vive deitado em uma cama. Irone enfrenta as dificuldades para conseguir tratamento médico adequado ao filho e, ao mesmo tempo, é ativista contra as violações de direitos nas favelas e periferias do Rio.
A costureira faz parte da Rede de Comunidades e Movimentos contra Violência do Rio de Janeiro, uma das organizações parceiras do movimento Mães de Maio. Como parte dos dez anos dos Crimes de Maio, Irone participou na semana passada de uma roda de conversa na Matilha Cultural, em São Paulo, coordenada pela Anistia Internacional.
As duas organizações são apoiadas pelo Fundo Brasil. Ambas trabalham para fortalecer a atuação de familiares de vítimas da violência institucional na luta por justiça e pela memória dos mortos e feridos.
O Mães de Maio recebeu apoio em 2010, 2011 e em 2015, neste último ano de forma emergencial para o projeto “10 anos dos crimes de maio de 2006: relembrar para que não siga acontecendo”. A Rede de Comunidades e Movimentos contra Violência do Rio de Janeiro recebeu apoio da fundação em 2007, 2008 e 2015.
Crimes de Maio é o nome dado ao episódio em que mais de 500 civis foram assassinados por grupos de homens encapuzados após as mortes de policiais provocadas pelo PCC, entre os dias 12 e 20 de maio de 2006. Os Crimes de Maio completam dez anos esta semana.
Guerra
Segundo Irone, a ocupação do Complexo da Maré pela Força de Pacificação transformou o local em cenário de batalha. Em alguns dias, oito tanques das Forças Armadas estacionavam no complexo.
“Não somos inimigos de ninguém”, protesta a mãe de Vitor. “Vou lutar até o fim. Exijo justiça. Precisamos de resposta. Os governantes nos devem isso”.
Após os tiros de fuzil que deixaram o filho na cama, Irone conheceu outros familiares de vítimas da violência institucional, como as Mães de Maio. Juntas, essas famílias ganham forças para não desistir.
Mães como a costureira sofrem toda vez que assistem a violência se repetir. Foi assim quando cinco jovens foram mortos pela Polícia Militar em Costa Barros, na zona norte do Rio, em novembro do ano passado. Como aconteceu com o filho de Irone, os jovens foram baleados dentro do carro, quando voltavam de uma comemoração.
“Parece que somos escolhidos para morrer…”, aponta a mãe de Vitor.
Os fatos e os números lhe dão razão.
Em 2012, 56 mil pessoas foram mortas no Brasil. Desse total, mais de 50% de todas as vítimas tinham entre 15 e 29 anos e, destes, 77% eram negros.
“Os estereótipos negativos associados à juventude, notadamente aos jovens negros que vivem em favelas e outras áreas marginalizadas, contribuem para a banalização e a naturalização da violência”, diz o relatório “Você matou meu filho”.
O documento reforça que as políticas de segurança pública no Brasil são marcadas por operações policiais repressivas nas favelas e áreas marginalizadas.
Fundo Brasil
O Fundo Brasil trabalha para promover os direitos humanos e sensibilizar a sociedade para que apoie iniciativas capazes de gerar novos caminhos e mudanças significativas para o país.
A fundação disponibiliza recursos para o apoio institucional e para atividades de organizações da sociedade civil e de defensores de direitos humanos em todo o território nacional.
Em quase dez anos de atuação, já destinou R$ 11,7 milhões a cerca de 300 projetos em todas as regiões do país.
A garantia do estado de direito e o enfrentamento ao racismo são algumas das temáticas apoiadas pela fundação.
Foto: Anistia Internacional/Alile Dara Onawale
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