Expor os problemas enfrentados e as soluções encontradas sem mencionar o tráfico de pessoas foi a dinâmica proposta aos representantes de nove projetos apoiados pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos por meio do edital “Enfrentamento ao tráfico de pessoas” durante encontro de dois dias realizado em São Paulo.
Os grupos refletiram sobre o amplo “guarda-chuva” do tráfico de pessoas, que abrange diversas questões, como o trabalho escravo, problemas relacionados à migração, violência, exploração de crianças e adolescentes, dificuldade de acesso a espaços e políticas públicas e preconceito.
Para antropóloga Maia Sprandel, responsável pela dinâmica durante o encontro, caso as perguntas incluíssem o termo tráfico de pessoas os representantes dos grupos apoiados falariam mais da questão policial e menos dos problemas do dia a dia.
“E vocês conhecem a realidade que enfrentam todos os dias”, reforçou.
O encontro teve o objetivo de fortalecer as organizações parceiras apoiadas. Os nove grupos apoiados recebem até R$ 40 mil por projeto e foram selecionados por meio de um rigoroso processo lançado no final de 2014.
Maia Sprandel explicou que desde a adesão do Brasil à Convenção de Palermo (Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças), em 2004, vários problemas históricos enfrentados no Brasil passaram a ser abrigados sob o “guarda-chuva” do tráfico de pessoas.
Isso, na avaliação dela, ocorreu para o “bem” e para o “mal”.
Do lado positivo, é possível citar o aumento dos investimentos no enfrentamento aos problemas e a facilidade de diálogo entre segmentos que não conversavam antes. Do lado negativo, houve uma homogeinização dos temas, com o risco de enfraquecer as questões específicas.
A palavra violência foi uma das que mais apareceram na dinâmica de apresentação dos grupos durante o encontro de projetos.
“Isso fala muito sobre o nosso país. A formação do Brasil é baseada na violência e esse sempre foi um grande problema”, disse a antropóloga.
O preconceito, a corrupção, a discriminação, as dificuldades dos migrantes com a língua também foram muito citadas nas apresentações.
Especialista no assunto, Maia afirmou que há dois grandes desafios relacionados ao tema: não vitimizar quem não é vítima e não impedir a mobilidade das pessoas.
“Temos que tentar identificar quem de fato se transformou em vítima e como proteger as pessoas do tráfico sem impedir a mobilidade, que é um direito”, ressaltou.
Também como parte da dinâmica apareceram várias palavras em comum como soluções para os problemas: fronteiras livres, motivação, fortalecimento político, formação, educação não sexista, regulamentação, profissão, anistia, informação, combate à discriminação, empoderamento, trabalho em rede e acesso a políticas públicas, por exemplo.
“É o Brasil que está aqui. Vocês vieram com seus projetos, mas é o pais que está representado”, analisou a antropóloga.
Nos projetos apoiados há representantes do Rio de Janeiro, da Bahia, do Maranhão, de São Paulo, do Mato Grosso do Sul, do Piauí, de Minas Gerais e da Amazônia.
Apresentações detalhadas sobre o conceito e a história do tráfico de pessoas também fizeram parte do encontro.
Além disso, os representantes dos grupos participaram de uma oficina sobre a elaboração de relatórios e puderam tirar dúvidas.
Fundo Brasil
Em quase dez anos de atuação, o Fundo Brasil já destinou R$ 11,7 milhões a cerca de 300 projetos espalhados por todas as regiões brasileiras. Fundado sob a orientação de ativistas e acadêmicos respeitados, começou suas atividades em 2006 Trabalha para alcançar dois objetivos principais: dar voz e visibilidade a organizações locais de defesa de direitos humanos e desenvolver um novo modelo de doações para promover o investimento social privado.