Três eixos condutores para um processo de mobilização social mais amplo em defesa dos direitos humanos no Brasil são destacados pelo professor Célio Bermann ao final do debate “Impactos da Copa e de grandes projetos de infra-estrutura”, na quinta-feira, 8 de dezembro, na Livraria Cultura do Shopping Bourbon.
O primeiro é em relação à questão social e o destino das populações atingidas por grandes obras. “É preciso perseguir uma solução mais adequada em termos de recomposição da vida das pessoas, especialmente as removidas pelo Estado, que sofrem flagrantes desrespeitos aos seus direitos.” O segundo é a composição de comitês populares, a exemplo dos que estão funcionando nas cidades sedes da Copa 2014, “para fiscalizar, coibir os desrespeitos e evitar os malfeitos”. E o último é buscar que esses grandes projetos “tragam como resultado um legado que não seja reduzido a uma enorme dívida e a elefantes brancos construídos com recursos públicos que não trarão benefícios à população”.
Doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos e professor livre docente no Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, Célio Bermann acrescenta que o que assistimos hoje é a consolidação de uma cultura desenvolvimentista. Projetos de infra-estrutura estão violando direitos humanos em nosso país, especialmente na Amazônia, onde as terras indígenas e de populações tradicionais são cobiçadas para outros fins. Ele lembra que 77 usinas hidrelétricas foram anunciadas pelo Governo Federal e que o Brasil ainda consome abaixo do padrão universal de energia. Belo Monte, por exemplo, serviria para beneficiar apenas as indústrias de minério de ferro, celulose e alumínio.
Célio Bermann esteve nessa terceira noite do Ciclo de Debates – Direitos Humanos e Desenvolvimento ao lado de Juca Kfouri e Rodrigo Faria – que substituiu Raquel Rolnik. Juca Kfouri resgatou o que ocorreu com os jogos pan-americanos no Rio, em 2007, e com a última Copa do Mundo na África do Sul. No primeiro evento foram previstos legados não concretizados: a linha de metrô Galeão-Jacarepaguá, despoluição da Lagoa Rodrigo de Freitas e da Baia de Guanabara. Além disso, o jornalista aponta o subaproveitamento de estruturas usadas, como o complexo de natação do Pan, por exemplo, que só servirá para treinos nas Olimpíadas 2016, por estar aquém das exigências dos organizadores. Já na Copa de 2010, na África do Sul, para a construção do estádio da Cidade do Cabo, duas mil pessoas foram transferidas “temporariamente” para uma “cidade de lata”, com casas improvisadas em containers, e estão lá até hoje.
A esses problemas alia-se o fato de que as críticas à forma como vem sendo conduzidos os temas relacionados Copa de 2014 são tratadas pela mídia tradicional como posturas antipatrióticas. A questão, para Juca, é que deveríamos fazer uma Copa do Mundo “do” Brasil “no” Brasil; aproveitando estruturas existentes, como o estádio do Morumbi, em São Paulo, em vez de erguer o Itaquerão; dizendo não à intervenção excessiva da Fifa e, principalmente, sem reproduzir, em plena democracia, os elefantes brancos da época da ditadura.
Para o jornalista, esses processos só serão conduzidos de formas diferentes no futuro se a sociedade se manifestar contrária às formas arbitrárias em curso. Eventos como esse, realizados pelo Fundo Brasil, são um caminho, como ele avalia: “É um trabalho de formiga, debater e fazer com que as pessoas saiam daqui podendo levar esse debate a diante para sua casa, para conversar com o vizinho… Cada um pode fazer o que seu espaço de cidadania permite fazer, não mais, não se trata de cobrar sacrifícios, heroísmos de ninguém, é cada um exercer seu papel de cidadão.”
Assessor jurídico da equipe de apoio à Relatoria da ONU pelo Direito à Moradia no Brasil, Rodrigo Faria complementou apontando que os mega-eventos são em primeiro lugar grandes negócios, que propiciam a valorização imobiliária, o enriquecimento das empreiteiras e de empresas estrangeiras. No caso da Copa no Brasil, à população não restará sequer o acesso à festa. Ele afirmou ainda que a cultura política patrimonialista, clientelista e coorporativista do país, agrava o cenário dos mega-eventos. Nas últimas eleições, conforme citou, mais de 20% das doações a campanhas teriam sido feitas por empresas ligadas ao desenvolvimento urbano. Segundo Rodrigo Faria, a permanente falta de debate sobre o uso de recursos públicos no nosso país e o fato da “urgência” justificar gastos excessivos demandam fiscalização contínua das obras e demais ações previstas para esse evento. Na Relatoria da ONU, por exemplo, são recebidas denúncias diárias sobre indenizações na faixa de R$ 3 mil para que as famílias deixem suas residências ou do pagamento de aluguel social de R$ 300 para famílias de até 10 pessoas, valores com os quais não é possível comprar ou alugar outro imóvel.
Além da própria legislação brasileira, tratado internacionais que trazem parâmetros mínimos para remoção de população vêm sendo desrespeitados. O objetivo, segundo ele, não é um legado socioambiental para o Brasil, mas o lucro de quem tem investido nesses projetos. Para reverter esse quadro, Rodrigo aposta na mobilização popular, única parte interessada na concretização dos direitos humanos. “Os comitês populares da Copa articulados em cada cidade sede estão sendo muito importantes nesse processo”, aponta.
Na sexta-feira à noite acontece o último debate: “Panorama geral dos direitos humanos no Brasil”. A programação completa pode ser conferida aqui.