Uma roda de conversa online, enriquecida por experiências concretas a partir de diferentes territórios e perspectivas dos diversos povos indígenas e comunidades tradicionais do Brasil. Assim foi o webinar de lançamento da publicação Povos indígenas e comunidades tradicionais como referências para soluções climáticas justas: a experiência do Fundo Brasil, que ocorreu na quinta-feira, 19 de setembro.
A publicação traz exemplos concretos de como esses povos e comunidades estão criando e implementando soluções locais de promoção de justiça climática. São iniciativas para garantia de direitos territoriais e manutenção dos modos de vida, que têm como resultados redução de invasões, permanência no território, recuperação de biodiversidade e mobilização comunitária, entre outros.
Também reflete sobre o papel da filantropia na promoção de justiça climática, a partir da trajetória do Fundo Brasil de Direitos Humanos. E conta em detalhes a criação da linha Raízes – Fundo de Justiça Climática para Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais.
No debate online, o Fundo Brasil de Direitos Humanos trouxe lideranças de comunidades tradicionais e de povos indígenas cujas histórias são contadas na publicação. O material pode ser baixado em português e em inglês.
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A roda de conversa online fez parte da programação do Mês da Filantropia que Transforma 2024. O Mês é uma iniciativa da Rede Comuá – Filantropia que Transforma, e busca mostrar a atuação das organizações da filantropia comunitária e de justiça socioambiental no financiamento, desenvolvimento e/ou cocriação de soluções climáticas locais produzidas por e para grupos, movimentos e organizações da sociedade civil em resposta aos impactos das mudanças do clima que alcançam diversas comunidades e territórios em nível nacional.
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Como foi a conversa
Com apresentação de Thainá Mamede, assessora de projetos do Fundo Brasil, atualmente responsável pelo Raízes, e mediação de Juliane Yamakawa, advogada e ex-assessora do Fundo Brasil que participou da criação do Raízes, a roda de conversa recebeu seis pessoas convidadas.
Olímpio Guajajara, liderança na Terra Indígena Arariboia, em meio à Floresta Amazônica, no Maranhão, trouxe em sua fala a experiência dos Guardiões da Floresta, reunidos na Associação Ka’aiwar. dos Guardiões da Floresta.
Segundo Olímpio, ao longo de 13 anos de trabalho enfrentando madeireiros, caçadores e estanqueiros, os Guardiões da Florestas reduziram a invasão na Terra Indígena Araribóia: fecharam 72 entradas principais que existiam no território.
“Das 72 entradas principais de invasores que a gente tinha no território, hoje não existem mais. E continuaremos lutando diariamente para proteger a terra e amenizar os efeitos das mudanças climáticas”, disse.
Em um cenário em que menos de 1% do financiamento climático chega efetivamente às mãos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, Rose Meire Apurinã, vice-diretora do Podáali – Fundo Indígena da Amazônia Brasileira, lembrou que povos indígenas levam adiante projetos de proteção dos territórios em todos os biomas brasileiros.
“Nos esforçamos diariamente para continuar mitigando tantos impactos e tentativas de extermínio dos povos indígenas e de todas as populações tradicionais no Brasil. Defendemos todas as vidas, de todos os seres que habitam a Mãe Terra.”
Nesse contexto, o Podáali atesta a capacidade do movimento indígena de propor caminhos e soluções inovadoras na busca por direitos e proteção dos territórios.
Gestora de Projetos do Fundo Casa Socioambiental, Maira Lacerda, que é indigena do povo Krenak, falou sobre a filantropia baseada na confiança. “O Fundo Casa, assim como o Fundo Brasil e outros fundos da Rede Comuá, tem a missão de apoiar as comunidades e trazê-las para o centro da atenção, reforçando seu protagonismo, valorizando o conhecimento tradicional, confiando em sua capacidade de criar soluções. Desta forma, descentralizamos o poder”, explicou.
A pesca artesanal é uma atividade fundamental para a alimentação do povo brasileiro. Contudo, as pescadoras e os pescadores artesanais sofrem ataques diários. Maria Celeste de Sousa, coordenadora do Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais do Piauí, trouxe para a roda de conversa a experiência de quem enfrenta cotidianamente grilagem de terras, privatização das águas, danos ambientais causados pela exploração de petróleo e, mais recentemente, a proliferação de usinas eólicas.
“É uma energia que se diz limpa, mas traz tantos prejuízos para a vida dos pescadores, quanto para a vida marinha”, conta a pescadora e liderança. Maria Celeste tem viajado a diversos pontos do litoral brasileiro, convidada a participar da mobilização contra a invasão de usinas de produção de energia eólica em territórios – e águas – tradicionais.
Também no tema dos megaprojetos e seus efeitos sobre os modos de vida das comunidades tradicionais, Tania de Moraes, quilombola e coordenadora na Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras no Vale do Ribeira (EAACONE) trouxe a experiência de luta dos quilombos pela titulação de suas terras, um direito previsto na Constituição brasileira, e no enfrentamento ao racismo – inclusive ao racismo ambiental.
“O Estado, quando titula a terra, impõe uma série de cláusulas sobre como devemos usar essa terra. E nos ameaça de expulsão se não seguimos. Dificultam nosso acesso e ainda querem nos dizer como viver”, revolta-se a liderança.
Com a atuação da EAACONE, os quilombos do Vale do Ribeira obtiveram uma importante conquista: a construção de um Protocolo de Consulta, documento que prevê que as comunidades sejam ouvidas e consideradas em qualquer intervenção a ser feita no território. É uma vitória para os quilombos, e também para a Mata Atlântica, um dos biomas mais dilapidados do país, e que tem o seu principal ponto de conservação exatamente na área que inclui o Vale do Ribeira.
A publicação
A publicação Povos indígenas e comunidades tradicionais como referências para soluções climáticas justas: a experiência do Fundo Brasil traz experiências concretas de melhoria na qualidade de vida das pessoas e no meio ambiente por meio da luta coletiva por direitos territoriais e manutenção dos modos de vida.
Os exemplos retratados na publicação estão entre os mais de 470 projetos de povos indígenas e comunidades tradicionais apoiados pelo Fundo Brasil em mais de 17 anos de atuação.
Ana Valéria Araújo, diretora executiva do Fundo Brasil, lembrou que os projetos e histórias relatados no material e na roda de conversa são exemplos de promoção de justiça climática, mas não só. “Com o olhar interseccional do Fundo Brasil, o apoio a esses grupos é também uma forma de enfrentar o racismo, a desigualdade de gênero, a violência institucional, e as discriminações baseadas nos marcadores sociais das desigualdades que estruturam a sociedade brasileira”.
Mostra, também, como a experiência do Fundo Brasil resultou na criação do Raízes – Fundo de Justiça Climática para Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais.
“O Raízes é também um esforço para sensibilizar atores da filantropia nacional e internacional. Precisamos ampliar a nossa capacidade, enquanto instituições filantrópicas, de fazer o recurso chegar às mãos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais o máximo possível, para fortalecer o seu protagonismo no debate climático e as ações locais de combate às injustiças que são causadas pela emergência climática”, disse a diretora executiva do Fundo Brasil.
“Essa publicação que a gente lançou hoje é um esforço de mostrar caminhos, de mostrar que as ideias existem, e precisam de apoio”, completou Ana Valéria Araújo.
Para baixar a publicação em português, clique aqui.
Você também pode ler o material em inglês, clicando aqui.