São Paulo, 30 de abril de 2024. Os termômetros marcavam 32ºC, às 15h. A cidade vivia a quarta onda de calor com temperatura 6ºC acima da média histórica. Neste dia, o Labora – Fundo de Apoio ao Trabalho Digno promoveu a roda de conversa “Conexão clima e trabalho digno: que transição justa o Brasil precisa?”, um encontro entre representantes de entidades decisivas no debate sobre o trabalho no país.
Esta é a quarta roda de conversa promovida pelo Labora desde que o fundo foi criado, em dezembro de 2022. Esses encontros propõem diálogos que conectam a luta por trabalho digno e proteção social – pauta decisiva para a defesa de direitos e da democracia – aos temas urgentes da atualidade.
Desta forma, o Labora aprofunda a compreensão sobre as urgências e os caminhos da luta de trabalhadoras e trabalhadores no país. A escuta do campo é uma estratégia central do aprimoramento dessa atuação e na definição de prioridades em ações como o edital Fortalecendo Trabalhadores Informais na Luta por Direitos, que anunciou em maio um grupo de 40 novas organizações apoiadas.
Esta quarta roda de conversa buscou aprofundar a compreensão dos efeitos da crise climática na vida das diferentes categorias de pessoas trabalhadoras, sobretudo das mais precarizadas. Um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) publicado em abril traz dados sobre esse impacto: a cada ano, são 860 mil mortes no trabalho relacionadas às mudanças climáticas. Destas, 20 mil ocorrem em consequência de situações como envenenamento por pesticidas, poluição do ar, radiação solar ultravioleta, doenças provocadas por parasitas, câncer, doenças respiratórias, entre tantas outras associadas ao clima extremo.
Mediadora da roda de conversa, a coordenadora de projetos do Labora, Amanda Camargo, trouxe a informação de que o setor de petróleo e gás estima 900 mil pessoas trabalhando diretamente em atividades relacionadas à produção de combustíveis fósseis até o fim desta década. Às pessoas debatedoras na roda de conversa, propôs o desafio de pensar em como fazer a necessária transição energética sem deixar ninguém para trás, o que inclui esse enorme contingente de trabalhadores do setor de combustíveis fósseis.
Ayala Ferreira, da diretoria do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Antônio Lisboa, secretário de Relações Internacionais da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Renata Belzunces, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e Victoria Santos, do Instituto Clima e Sociedade (ICS), dialogaram sobre os desafios impostos ao país, no contexto das mudanças climáticas, para garantir às trabalhadoras e aos trabalhadores o acesso a condições dignas de trabalho com proteção social e enfrentamento das desigualdades.
Ao longo de todo o encontro, os participantes reivindicaram maior participação das trabalhadoras e dos trabalhadores no debate sobre transição justa. Afinal, como lembrou Renata Belzunces, do Dieese, foi da luta de operários norte-americanos por melhores condições de trabalho que a estratégia teve início. A entidade de pesquisa mantida pelo movimento sindical brasileiro vem analisando as alternativas globais de enfrentamento das mudanças climáticas para as trabalhadoras e os trabalhadores. “Os trabalhadores da indústria química e do carvão entenderam a necessidade de fechamento de fábricas poluentes, mas desde que nenhum empregado ficasse para trás. Esse é o nascimento da estratégia da transição justa”, contou.
Antônio Lisboa, secretário de Relações Internacionais da CUT, pediu que o tema deixe o meio acadêmico e seja amplificado. “O debate da transição justa não pode ficar restrito a um debate de iniciados”, conclamou.
Ao responder sobre como os custos da transição energética não devem cair sobre quem nada contribui para as mudanças climáticas, o representante da CUT discorreu sobre o trabalho de agricultores do Ceará impedidos de plantar, desde que uma empresa privada instalou torres para a produção de energia eólica. Ele sugeriu maior participação do Estado em regulação, fiscalização e na cadeia produtiva. “Qual é o investimento público que está sendo feito no nordeste brasileiro para a produção de energia eólica? Zero”, criticou. “É preciso ter mais Estado para que esses absurdos não aconteçam, para que exista trabalho digno para os trabalhadores”, completou.
A oportunidade histórica de protagonismo do Brasil ao sediar eventos como o G20, encontro das maiores economias do mundo, em novembro deste ano, no Rio, e a COP 30, conferência do clima que acontecerá em 2025, em Belém, foi destacada por Victória Santos, do Instituto Clima e Sociedade (ICS). A organização filantrópica apoia projetos e instituições dedicadas ao enfrentamento das mudanças climáticas em todo território nacional.
“O Brasil está num triênio de protagonismo incrível para poder potencializar vozes e trazer compromissos globais, não somente entre os governos dos países, mas também de sindicatos e organizações”, disse ela. “O Brasil é um dos poucos países no mundo que se torna mais competitivo numa agenda de descarbonização”.
Renata Belzunces (Dieese) e Victoria Santos (ICS) ressaltaram que a transição energética para um modelo de energia limpa irá gerar oportunidades de novos empregos no Brasil. “É o país que tem oportunidade de desenvolver nossos jovens para desenvolver tecnologias e colocar estas tecnologias no mercado”, disse Victoria.
“Cuidar do meio ambiente gera empregos. O Estado precisa se fortalecer com mais servidores públicos para fazer a fiscalização e pensar como os municípios fazem os processos de mitigação e adaptação”, ponderou a economista do Dieese.
Ayala Ferreira, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), chamou atenção para o aumento dos conflitos no campo, segundo ela diretamente ligados com a expansão da fronteira agrícola no país. Para a diretora do MST, a transição justa no país acontecerá com a derrota do agronegócio “responsável pelo atraso do país” e a desconcentração de terras no campo. “A Reforma Agrária é uma reparação histórica para quem teve o direito à terra negado”, definiu.
Na pergunta final, a coordenadora do Labora, Amanda Camargo, provocou os convidados da roda de conversa a responderem “O que não pode faltar para uma transição justa?” Antônio Lisboa pediu o reconhecimento de que vivemos uma sociedade de classes, de exploração capitalista. Renata Belzunces reivindicou a participação de toda a classe trabalhadora.
Victoria Santos disse que “não pode faltar uma visão de país construída de forma participativa”. Ayala Ferreira concluiu a reflexão coletiva: “O que não pode faltar é a participação organizada das trabalhadoras e dos trabalhadores. E uma participação com esperança”. Ela concluiu com uma poesia presente na organização do MST.
Organizar a esperança,
Conduzir a tempestade
Romper os muros da noite,
Criar sem pedir licença
Um muro de liberdade.
Trabalhar a dor, trabalhar o dia,
Trabalhar a flor, irmão!
E a coragem de acender a rebeldia!
Convocar todos os sonhos
E as mãos das companheiras
Feitas de espera e de flor,
Tecendo nossas bandeiras
Na trama de cada dor.
Retomamos a memória,
Na batalha das cidades
Empunhamos nossa história
Já não há quem nos detenha
Nós somos a tempestade.
Autor: Pedro Tierra