Em São Paulo para participar do #PrêmioCLAUDIA2016, Maria Clara de Sena viveu uma cena de preconceito e discriminação que é comum na rotina das transexuais brasileiras. Ela e a sobrinha seguraram a porta do elevador de um hotel para poderem entrar e uma mulher que estava no interior do mesmo saiu ao perceber que teria as duas como companhia.
“É nesses momentos que vejo: tenho que resistir”, diz. “É uma resistência que acontece no meu cotidiano. Todos os dias, quando acordo e sei que vou ao trabalho, tenho que resistir. Sei que há pessoas incomodadas com minha presença. As pessoas se incomodam com o amor. Saem do elevador, batem as portas, dão as costas…”
A força que Maria Clara tem todos os dias ao começar o dia a levou a percorrer um caminho pioneiro e corajoso. Sempre com muita garra. Ela é a primeira e única transexual no mundo a fazer parte do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura, órgão criado por recomendação da ONU (Organização das Nações Unidas) e formado por especialistas que têm acesso a diversas instalações de privação de liberdade, como presídios, hospitais psiquiátricos, abrigos, instituições socioeducativas ou centros militares para verificar a existência de violações e cobrar providências. Faz parte do Mecanismo em Pernambuco.
Maria Clara foi a vencedora do #PrêmioCLAUDIA2016 na categoria Políticas Públicas, um grande reconhecimento por sua trajetória de luta pelos direitos LGBTs e contra o racismo.
“O mundo está se descobrindo, a gente está conseguindo chegar em um lugar positivo. Eu estar aqui é a representação disso”, afirmou após a premiação.
O Fundo Brasil faz parte dessa bela trajetória por meio do apoio ao GTP + – Grupo de Trabalhos em Prevenção, organização que acolhe as pessoas vivendo com HIV e Aids e profissionais do sexo em Pernambuco e que tem Maria Clara como uma das integrantes.
Ela conheceu o GTP após enfrentar várias dificuldades na vida. Dificuldades que começaram em casa, ainda na infância, ao ser espancada pelo pai por causa dos gestos considerados delicados.
“Eu estava no fundo do poço e amigos me falaram sobre o GTP +, que auxilia profissionais do sexo”, conta. Na ONG, encontrou ajuda para livrar-se da dependência química e começou a estudar o tema direitos humanos. No grupo, ao lado de outros ativistas, criou o projeto Fortalecer para Superar Preconceitos, que tem o objetivo de garantir os direitos de travestis e pessoas vivendo com HIV e Aids em presídios pernambucanos.
O projeto foi apoiado pelo Fundo Brasil em 2012 e em 2014. No primeiro ano, o apoio possibilitou a realização de oficinas de formação de multiplicadores de informações; esquetes sobre prevenção de DST/HIV/Aids e práticas de sexo mais seguras; distribuição de preservativos e gel; distribuição de materiais informativos para as internas, os internos e seus familiares sobre DST/HIV/Aids, gênero, preconceito e discriminação. No segundo ano foram trabalhadas diversas frentes que tiveram como um dos resultados o aumento da possibilidade de retorno à sociedade de forma não estigmatizada. Foram realizadas oficinas de formação, rodas de diálogo, esquetes teatrais e distribuição de preservativos, gel e material informativo.
Ao mudar sua história, Maria Clara conseguiu mudar a de outras pessoas. Por meio de seu ativismo, chegou ao Mecanismo, à premiação e ao reconhecimento.
Emoção
Em uma transmissão ao vivo pelo Facebook um dia após receber o #PrêmioCLAUDIA2016, Maria Clara agradeceu aos votos, à energia envolvida em sua história, às contribuições recebidas. Também falou sobre a importância de ter sido escolhida em meio ao cenário político de retrocessos.
“No meio dessa burguesia, dessa elite branca, de pessoas que estão em um lugar de privilégio, premiaram uma causa. A causa humana, a causa do amor”, declarou. “Se reconheçam, se afirmem. Os que ofertam o desamor, um dia vão conhecer o amor. Se não for nessa vida, será na outra. Ou então vão ficar na sofrência”.
O #PrêmioCLAUDIA2016 é a maior premiação feminina da América Latina. A primeira edição foi realizada em 1996 com o objetivo de descobrir e destacar mulheres competentes, talentosas, inovadoras e empenhadas na construção de um Brasil melhor.
Maria Clara segue lutando para que as pessoas não saiam do elevador quando ela entrar.
Veja vídeo em que a ativista fala sobre o projeto apoiado pelo Fundo Brasil.