Desde 2007, a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME) conta com um Departamento de Mulheres Indígenas na estrutura da organização. O espaço propõe articular essas mulheres em seus territórios, ampliar a repercussão dos entendimentos delas sobre as violações enfrentadas por seus povos e, claro, buscar meios de superar essas violações, especialmente as que afetam diretamente as mulheres.
Para fortalecer esse movimento, as mulheres da APOINME buscaram o apoio do Fundo Brasil. O projeto Território, Tradição e Resistência: Mulheres Indígenas do LE e NE é uma das iniciativas apoiadas no edital Resistência.
Essa linha de apoio do Fundo Brasil visa fortalecer o trabalho de grupos, coletivos e organizações da sociedade civil, na defesa dos direitos humanos, para que sejam capazes de resistir às crescentes violações diante do atual cenário político. Com o apoio às mulheres da APOINME, o Fundo Brasil busca incentivar o protagonismo dessas líderes na defesa dos direitos territoriais e culturais destes povos, ameaçados pelo cenário de ataques e desmonte dos direitos indígenas garantidos pela Constituição de 1988.
“Esta é uma forma das mulheres, através de suas vozes, demonstrarem que possuem questões próprias para serem levadas em consideração. É também a nossa maneira de dizer que estamos presentes no caminhar de todo o movimento”, explica Elisa Urbano, coordenadora do Departamento de Mulheres Indígenas da APOINME.
Neste momento, o trabalho tem como focos a estruturação e o fortalecimento do grupo. Estão na lista de tarefas políticas a formação de uma coordenação, a escolha de representantes de cada microrregião onde a organização está presente e a formação de uma comissão para escrever o plano de ação.
“A contribuição do Fundo Brasil para o nosso movimento de mulheres é de uma importância enorme, porque a gente sente que a APOINME recebe apoio em diferentes frentes, mas a articulação de mulheres não recebe esse mesmo olhar. Nós sentimos falta de escrever uma cartilha com diretrizes para o nosso trabalho. Então, esse apoio é o que vai desencadear outras ações. Podemos dizer que é o princípio de nossos trabalhos em campo”, explica Elisa Urbano.
O projeto promove capacitação continuada, qualificação e formação política das representantes da Comissão de Mulheres Indígenas do Leste e do Nordeste do Pernambuco. Como parte do projeto, um encontro acontecerá entre os dias 27 de 30 de setembro, no território Xucuru-Kariri, em Palmeira dos Índios, Alagoas.
A força da mulher indígena no caminhar da APOINME
As mulheres sempre tiveram um papel fundamental na defesa de terras e das vidas indígenas dentro da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME). Mas até pouco tempo, essa luta acontecia de forma indireta ou até invisibilizada.
Esta era uma inquietação que perseguia Maninha Xukuru-Kariri. Ela foi a primeira e única mulher, durante muitos anos, a fazer parte da direção da APOINME na década de 1990. A ativista liderou lutas e ajudou a construir retomadas por todo o Nordeste.
“A APOINME é majoritariamente composta por homens. Enquanto instituição organizativa, não teria a visibilidade que se destaca no cenário nacional, senão pelas grandes lideranças femininas que por ela passaram e as que persistem dando continuidade a essa história de lutas”, explica a coordenadora do Departamento de Mulheres da APOINME.
Maninha faleceu em outubro de 2006 e, como legado, fez nascer, meses depois, o Departamento de Mulheres da APOINME.
“Etelvina Celestina, nossa Maninha Xukuru-Kariri, foi sem dúvida um ícone não apenas para a organização de mulheres chegar à dimensão que está hoje, mas principalmente pela sua contribuição na estruturação para que APOINME esteja no patamar que ocupa atualmente”, lembra Elisa Urbano.
Foi a partir do olhar de Maninha que a pauta da mulher passou a fazer parte dos debates indígenas na organização. “O espaço APOINME não dava visibilidade a questão das mulheres enquanto temática específica. Mas Maninha chamava atenção pela participação e potencial de luta e, principalmente por ser mulher”, diz Elisa.
A criação da APOINME
Nos anos de 1970, os movimentos de luta por direitos indígenas eclodiram no Brasil. É nesta década que, em confronto com os colonos, os povos indígenas se politizaram intensificando suas lutas por direito às terras, às línguas, costumes e à própria vida.
A partir daí, os anos de 1980 tornam-se bastante significativo para o movimento indígena no Brasil, por se tratar de um momento em que o protagonismo das organizações indígenas surge, trazendo visibilidade para suas ações e mobilizações.
Neste cenário, o Nordeste indígena também levanta sua bandeira de luta enquanto movimento social. A primeira experiência foi a UNI-Nordeste, criada em 1985, seguida pela Comissão Leste Nordeste, realizado na Terra Indígena do Pataxó Hãhãhãe, em Itabuna, Bahia. Em 1990 ela é oficializada como Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME). Ainda de maneira informal, o objetivo é articular as lideranças da região para a defesa dos direitos indígenas, direitos humanos e, principalmente, aos diretos territoriais.
“A APOINME foi institucionalizada em março de 1995, como uma associação civil sem fins lucrativos, para lutar pela recuperação dos territórios tradicionais indígenas e para reivindicar políticas públicas diferenciadas para a educação, a saúde, o desenvolvimento e a sustentabilidade dos povos indígenas junto ao poder público”, conta a coordenadora do Departamento de Mulheres Indígenas, da APOINME.
Campo de atuação
A APOINME é uma instância de formação política e de lideranças, cujos espaços partem do cotidiano nas aldeias, passam das organizações internas para articulações de povos junto ao Estado, em níveis estaduais, nacionais e até internacionais.
A Sede está localizada em Olinda, no Pernambuco. Mas sua abrangência inclui as organizações de base também de outros estados, como Alagoas, Bahia, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe, Minas Gerais e Espírito Santo. Em termos de população representa mais de 78 povos e mais de 213 mil indígenas.
“Cada estado se faz representado através de suas lideranças que, no quadro organizacional, nós denominamos de coordenadoras ou coordenadores das microrregiões”, comenta Elisa.
Para ouvir e alcançar as terras indígenas apoiadas, as microrregiões elegem em cada povo um representante, assim a comunicação e articulação podem ser realizadas no menor tempo possível. Dentre todas as demandas levantadas, a principal é a defesa das terras, devido à história de conflitos e invasões dos territórios indígenas, onde as populações dali foram expulsas e ainda hoje convivem com o rastro de violência.
“Quando nossas lideranças estão diante do poder público, reivindicando nossos direitos, sempre explicitamos a questão da terra como mais importante. E assim, essa bandeira de luta é ampliada para defender a saúde, a educação e a sustentabilidade nesses territórios bem como a gestão ambiental. As nossas terras representam nossas famílias, nossas próprias vidas”, conta Elisa Urbano.
A APOINME inspirou a criação de outras organizações em nível de Estado e de povos. Em especial no estado de Pernambuco, a organização tem assento, por exemplo, em conselhos e comissões, onde a representação dos povos indígenas é garantida.