“Uma menina que clama por justiça”.
É assim que Maria Clara de Sena, 38 anos, se apresenta nas redes sociais. É assim que ela precisa ser, todos os dias, desde o momento em que acorda até a hora de dormir.
Maria Clara superou uma trajetória de violência e discriminações para ser pioneira. É a primeira mulher trans a fazer parte do Mecanismo de Prevenção à Tortura, órgão criado por recomendação da ONU para coibir a prática de tortura em instalações de privação de liberdade. Também foi a primeira mulher trans a receber o Prêmio Cláudia, concedido pela revista de mesmo nome a personalidades que se destacam em vários setores. É quase sempre a primeira a levantar a voz para o fato de fazer parte de um segmento social ainda muito discriminado e perseguido.
“Sou a minoria da minoria”, disse recentemente em um bate-papo sobre o combate à tortura no sistema de Justiça Criminal promovido pelo IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa). No mesmo dia, ela visitara uma unidade prisional em São Paulo e mais uma vez dera de cara com a realidade: encontrou amigas antigas encarceradas, sujeitas a um sistema que discrimina duplamente as travestis e transexuais. “Se sofremos violência aqui fora, lá dentro isso é potencializado”, afirmou.
Agredida e expulsa de casa, Maria Clara recorreu à prostituição para sobreviver e chegou ao ponto de precisar de ajuda para se livrar da dependência química. Foi aí, na busca de auxílio, que redesenhou seus caminhos. Conheceu o GTP + (Grupo de Trabalhos em Prevenção Posithivo), de Pernambuco, e encontrou acolhimento e um objetivo para a vida. Ao lado de outros ativistas, criou o projeto Fortalecer para Superar Preconceitos, que atua para garantir os direitos de travestis e pessoas vivendo com HIV e Aids em presídios pernambucanos.
A atuação do GTP +, apoiada pelo Fundo Brasil em 2012 e 2014, teve como como um dos resultados a criação de um espaço especial para a população trans no Presídio de Igarassu, em Pernambuco. O espaço é referência no estado e já foi alvo de reportagens e documentários.
Na organização não-governamental, Maria Clara começou a estudar os direitos humanos e a “devorar” livros. Transformou-se em uma especialista em lutar pelos direitos da população LGBT nas prisões.
“Consigo ver uma população que ninguém vê”, diz.
Mas, apesar do reconhecimento, o dia a dia não é fácil. Nas visitas a unidades prisionais, Maria Clara enfrenta muitas reações preconceituosas e até ameaças. “Vocês trouxeram um homem vestido de mulher para cá”, disse funcionário de uma das unidades, por exemplo.
Ela não abaixa a cabeça, resiste e segue denunciando casos como o de Felícia, transexual torturada por 13 homens na prisão. Eles não a deixavam comer ou beber. Usavam uma bucha quente colocada nos pés para torturá-la. Colocavam saco na cabeça para sufocá-la e a queimavam com pingos de velas nas costas.
Casos como esse mostram a importância de mobilizações como a protagonizada por Maria Clara.
“Consegui trazer à tona a importância de cuidar e de fortalecer a população travesti e transexual encarcerada. Essa população não era vista”, analisa.
Ouvida e respeitada, trabalha para que não precise mais entrar nas salas e auditórios e se sentir sozinha.
“Não quero ser a única. Quero que as meninas também tenham oportunidade”, diz.
Saiba mais sobre o GTP
O Grupo de Trabalhos em Prevenção Posithivo é uma organização não governamental, sem fins lucrativos, com sede em Recife, fundada em dezembro de 2000. Surgiu a partir da necessidade de criar uma entidade coordenada por pessoas vivendo com o vírus HIV e doentes de Aids que gerasse na população usuária um sentimento de identificação e pertencimento. Entre as atividades realizadas está o acolhimento e encaminhamento ao atendimento terapêutico especializado e/ou à assessoria jurídica; palestras e seminários sobre direitos humanos; promoção da segurança alimentar e execução dos projetos de vacinas preventivas e curativas para o HIV e das estratégias biomédicas de prevenção.
O grupo tem representações em instâncias e espaços de controle social, atuando na construção de políticas e no desenvolvimento de ações de promoção dos direitos humanos.
Fundo Brasil
O Fundo Brasil é uma fundação independente, sem fins lucrativos, que tem a proposta inovadora de construir mecanismos sustentáveis para destinar recursos a defensores e defensoras de direitos humanos em todas as regiões do pais.
A fundação atua como uma ponte entre organizações locais e potenciais doadores de recursos.
Em dez anos de atuação, a fundação já destinou R$ 12 milhões a cerca de 300 projetos em todas as regiões do país. Além da doação de recursos, os projetos selecionados são apoiados por meio de atividades de formação e visitas de monitoramento que fortalecem as organizações de direitos humanos.
Maria Clara é a segunda mulher guerreira retratada na série #ElasTransformam, realizada pelo Fundo Brasil.
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