
Organizações da Bacia do Rio Doce, durante formação promovida pelo Fundo Brasil, em São Paulo. Fptp: Mônica Nóbrega/ Acervo Fundo Brasil
Acesso à água, autonomia no território, manutenção da cultura e dos modos de vida, subsistência e respeito são alguns desafios definidores da vida das populações da Bacia do Rio Doce atualmente. Estes foram os temas de destaque em um encontro de trabalho promovido pelo Fundo Brasil, que reuniu lideranças de 17 organizações que foram selecionadas no edital Promoção e Defesa de Direitos Humanos na Bacia do Rio Doce.
Os projetos contemplados no edital são de coletivos de mulheres negras, de juventudes, de pessoas LGBTQIA+, comunidade rural, agricultores(as) familiares, povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais, entre outros. Todos estão na Bacia do Rio Doce, área que abrange os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Os desafios para a defesa de direitos na região são agravados por desastres ambientais que estão entre os maiores e mais letais da história brasileira.
A lista de selecionados foi anunciada pelo Fundo Brasil em outubro de 2024, e os grupos iniciaram a execução de seus projetos em dezembro.
Promover encontros para reconhecimento coletivo, aprendizado entre pares e articulação é parte fundamental da metodologia de apoio do Fundo Brasil para fortalecer institucionalmente as organizações de direitos humanos. Entre o grupo presente, nove conquistaram neste edital o seu primeiro apoio.
“Esse apoio e a flexibilidade do Fundo Brasil são muito importantes para o fortalecimento da nossa associação. Por exemplo, a nossa comunidade não tem prestadores de serviços com nota fiscal, e ir buscar fornecedores nas cidades vizinhas incluiria um alto custo de frete”, disse Ademilton Gonçalves, da Associação dos Moradores e Amigos do Barro Branco, Córrego da Laje e Adjacências (AMBACLA), do município de Barra Longa (MG).

Durante a formação, os coletivos se apresentaram e falraam dos desafios, lutas e estratégias em comum. Foto: Mônica Nóbrega/ Acervo Fundo Brasil
“Essa relação de confiança é um dos fundamentos do nosso apoio”, diz Thainá Mamede, assessora de Projetos do Fundo Brasil, responsável pelo edital Promoção e Defesa de Direitos Humanos na Bacia do Rio Doce. “Fazemos um acompanhamento respeitoso e individualizado de cada projeto, o que ajuda as organizações a desenvolverem suas capacidades institucionais, atingirem seus objetivos, ampliarem o impacto positivo de sua atuação e garantirem a transparência de seu trabalho de uma forma que faz sentido em cada território.”
Luciana dos Anjos, da Associação de Mulheres Guerreiras da Aldeia Irajá, em Aracruz (ES), lembrou a importância dos encontros presenciais, tanto entre apoiados do Fundo Brasil quanto nos territórios. “Para a gente, nas nossas aldeias, nem tudo a tecnologia resolve”, disse. “Falta acesso à internet no nosso território, e isso enfraquece o nosso movimento de mulheres”, completou.
Desafios e caminhos. De acordo com as lideranças presentes no encontro, o impacto das mudanças climáticas vem sendo sentida de forma aguda na Bacia do Rio Doce.
“Muitas das vezes a gente perde produção porque o tempo está mudando. Já fiz 4 tentativas com feijão, e perdi o feijão por falta de água”, contou Cida Calazans, da Associação das Famílias Assentadas no Projeto Assentamento Fazenda Sacramento Chico Mendes II, no município de Pingo D’Água (MG).
Água é uma questão crítica em todos os segmentos da Bacia, seja para a agricultura, pesca, para o consumo humano e dos animais, para o lazer e a sociabilidade das populações. Manoel dos Santos, o Nego da Pesca, da Associação de Pescadores de Jacaraípe e liderança nacional da pesca artesanal, lembrou que cada pescador garante trabalho para mais quatro ou cinco pessoas. “É quem dá manutenção no motor, quem dá manutenção no barco, quem beneficia o peixe, quem vende na feira”, disse. Essa atividade sofre há anos as consequências do derramamento de rejeitos de mineração no Rio Doce, em seus afluentes e no litoral do Espírito Santo.
“Quem pode compra água de galão. Quem não pode, consome do Rio Doce. Por mais que a gente consuma aquela água, a gente tem uma desconfiança eterna”, disse Nico Dias, do Coletivo SHIVA (Serviço Humanitário Informação Vida e Arte), de Colatina (ES).
Os participantes do encontro também apontaram soluções para os problemas que afetam seus territórios, e caminhos para a promoção de direitos. Para Nego da Pesca, uma secretaria voltada exclusivamente para essa atividade no município de Serra (ES) poderia endereçar as questões dos pescadores artesanais com mais efetividade. “Para garantir o respeito e valorização da nossa categoria”, disse.
Doralice de Oliveira, da Associação da Escola Família Agrícola de Camões, em Sem-Peixe (MG), aponta a agroecologia como caminho para resgatar a autonomia em seu município, atualmente dominado pelo agronegócio para produção de leite. “Agroecologia não engloba só o plantio, inclui as outras causas, combate ao trabalho escravo, educação ambiental, formação política”, destacou.
Júlia Beatriz, do Coletivo Diversidade, do município de Governador Valadares (MG), lembrou a importância da atuação coletiva. “É muito fundamental estarmos juntas para lutar pelo fim das discriminações no nosso município”, comentou Beatriz.

Foto: Mônica Nóbrega/ Acervo Fundo Brasil
Edital específico para o Rio Doce. O edital Promoção e Defesa de Direitos Humanos na Bacia do Rio Doce é o primeiro do Fundo Brasil específico para este território. É parte de uma linha de atuação com duração de pelo menos cinco anos.
“Nós pretendemos lançar outros apoios para a defesa de direitos humanos na Bacia do Rio Doce. A nossa ideia, com esse primeiro edital, mais geral, é que pudéssemos abraçar diversos temas e prioridades a partir da leitura e da experiência, inclusive, que nós já temos da região”, explicou Ana Valéria Araújo, diretora executiva do Fundo Brasil.
“Nosso objetivo é tentar fortalecer a sociedade civil nos diversos temas e vieses importantes para a região, para além do processo de reparação de atingidos pelo rompimento das barragens de rejeitos”, disse Ana Valéria.
O encontro do edital Promoção e Defesa de Direitos Humanos na Bacia do Rio Doce contou ainda com as presenças de Eliane Inácio, da Associação de Mulheres Negras de Colatina e Região Zacimba Gaba (ES); Luiza Faresin, do Coletivo Terra do Bem, de Conceição da Barra (ES); Maycon Krenak, da Associação Indígena Burum Ererré, de Resplendor (MG); Marília Vieira, da Ocupação de Itueta (MG); Maria Inês de Souza, da Associação dos Quilombos e Grupos Afrodescendente de São Domingos do Prata, a Aquistoprata; Olindina Cirilo, do Coletivo de Mulheres Quilombolas, de Conceição da Barra (ES); Josiléia Nascimento, da Associação de Mulheres Jongueiras, de São Mateus (ES); Pedro Henrique, da Associação de Cooperação, Produção, Beneficiamento, Comercialização e Consumo Agrícola e da Pesca do Assentamento Liberdade (ACOAL), de Periquito (MG); Érika Benigna, do Coletivo Abayomi, de Governador Valadares (MG); e Marlene Imaculada, da Associação de Agricultores Familiares do Córrego do Celeste e Região do Vale do Aço, de Marliéria (MG).