A comunicadora comunitária Gizele Martins tem uma forte justificativa para o caminho que escolheu na profissão e na militância: os amigos de infância que foram assassinados. Eram meninos negros, moradores de favelas, vítimas da violência que se transformou em rotina no conjunto de favelas da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro, onde a jornalista nasceu e mora há 31 anos.
“Morar em um espaço favelado é sobreviver, é conviver com tanques de guerra, com o caveirão. É conviver com a vida militarizada”, diz Gizele, uma voz importante no enfrentamento contra as violações de direitos humanos nas comunidades do Rio.
Ela faz parte do Fórum de Juventudes RJ, organização apoiada pelo Fundo Brasil e que reúne 20 coletivos de ativistas distribuídos em favelas do Rio. A pauta em comum dos grupos é o enfrentamento à violência no cotidiano das comunidades.
Como moradora do maior conjunto de favelas do Rio, Gizele conhece bem esse cotidiano. Sabe o que é fazer parte de uma população que precisa seguir em frente após crimes como a Chacina da Maré, ocorrida em 2013, quando os mais de cem mil moradores do local viveram momentos de terror após a entrada do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais).
Dez pessoas morreram, o que fez uma multidão ocupar as ruas e expulsar o “caveirão” – como é conhecido o carro blindado usado pela polícia.
Em 2014, ano da Copa do Mundo no Brasil, outra violência: o conjunto de favelas foi ocupado pelo Exército, o que, segundo a ativista, provocou a construção de um cenário militarizado em que havia um soldado para cada grupo de 55 moradores.
“Em toda minha vida, nunca vive uma realidade em que existisse um médico para cada 55 moradores. Mas soldado existe”, questiona.
Nessa época, a reação de que a comunicadora fez parte incluiu a criação de um veículo na internet para relatar as violações: casas e moradores revistados; jovens impedidos de fazer festa e jogar futebol; tanques de guerra nas ruas; remoções; escolas militarizadas.
Os relatos foram muito divulgados, ganharam força e transformaram-se num forte instrumento de mobilização. De forma inovadora, as histórias de resistência das favelas foram contadas e os moradores puderam afirmar que não são inimigos a serem combatidos pelo Estado.
“São nossas casas, nosso baile funk, nossos shorts, nossa música que são criminalizados”, denuncia.
Outra forte reação contra a violência foi a criação do aplicativo Nós por Nós, com o apoio do Fundo Brasil, para que os moradores tenham o acesso facilitado aos direitos que possuem e possam denunciar violações a organizações confiáveis.
Desde que foi lançado, em março do ano passado, o aplicativo já recebeu 350 denúncias e foi levado a escolas e outros espaços jovens. O Nós por Nós foi construído por jovens negros e conquistou grande repercussão no Rio e em outros estados do país.
O Nós por Nós possibilitou mais rapidez no contato com as redes de apoio e grande visibilidade às violações de direitos nas favelas do Rio.
Gizele, a moça que não se cala, segue em frente em sua saga corajosa.
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