A desconstrução do punitivismo vigente na sociedade brasileira foi a principal proposta de encontro nacional de reflexão promovido pela Pastoral Carcerária e outras entidades no dia 8 de outubro. A Agenda Nacional pelo Desencarceramento, lançada em 2013, esteve no centro do debate. Por meio de dez diretrizes, a agenda propõe o amplo desencarceramento no país e a desmilitarização das polícias.
Taciana Gouveia, coordenadora de projetos do Fundo Brasil, participou do encontro realizado na Casa de Oração do Povo de Rua, em São Paulo.
Durante o encontro, o relato de familiares de presos chamou a atenção dos presentes para a persistência das revistas vexatórias nas visitas às unidades prisionais; a revolta dos presos com as condições em que vivem; e a existência de torturas físicas e psicológicas.
Na análise do Padre Valdir João Silveira, coordenador nacional da Pastoral Carcerária, a atual política de guerra às drogas jogou o Brasil em um cenário de violência sistêmica contra as classes menos favorecidas, causando mortes e o aumento da população carcerária, hoje próxima a 700 mil pessoas no país.
De acordo com ele, atualmente a polícia atua pautada em estereótipos, o que leva à criminalização da pobreza. Jovens negros e moradores das periferias são os principais alvos das ações policiais.
Padre Valdir defende que o Estado abra mão da repressão penal, definida como uma solução enganosa, e passe a utilizar mecanismos alternativos para a questão das drogas.
Divididos em grupos, os participantes discutiram na segunda parte do encontro a articulação de uma mobilização antipunitivista no país.
Entre as sugestões apresentadas, que não são deliberações finais, estão um foco maior na luta pelo desencarceramento dos presos provisórios (hoje mais de 40% do total); o mapeamento de todas as entidades e grupos nos estados que dialogam com a questão do desencarceramento; elaboração de agendas específicas nos estados; criação de grupos de trabalho; divulgação da agenda do desencarceramento a partir de ferramentas de artes; instigar a criação de uma frente parlamentar sobre o tema; e criar o Dia Nacional de Luta pelo Desencarceramento (2 de outubro).
Tortura
Nesta quinta-feira, dia 20, a Pastoral Carcerária vai lançar o relatório “Tortura em tempos de encarceramento em massa”, produzido com o apoio do Fundo Brasil. O lançamento será às 19h, no Auditório Flamínio Fávero, na Universidade Mackenzie, em São Paulo.
A Pastoral Carcerária é apoiada por meio do projeto “Prevenção da tortura e tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes contra presos provisórios”, que tem o objetivo de reduzir as práticas de tortura contra presos provisórios por meio do monitoramento das unidades de privação de liberdade, de denúncias de casos de tortura e do registro das ocorrências no Brasil e especificamente no estado de São Paulo.
Violência
Nos últimos dias, vários episódios de violência e fugas em massa em presídios chamaram a atenção para a questão do encarceramento em massa no Brasil.
Dezoito pessoas morreram em dois confrontos envolvendo facções dentro de presídios no Norte do país. Uma das rebeliões ocorreu na tarde de domingo (16) na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, na zona rural de Boa Vista (RR), e teve como consequência a morte de dez pessoas. A segunda rebelião ocorreu durante a madrugada de segunda-feira (17) em penitenciária de Porto Velho (RO) e causou a morte de oito presos asfixiados.
Em Franco da Rocha (SP), 55 presos fugiram do Hospital de Custódia de Tratamento Psiquiátrico I na segunda-feira (17) após rebelião. Os presos atearam fogo em vários pavilhões. A maioria foi recapturado.
No final de setembro, 470 presos fugiram do CPP (Centro de Progressão Penitenciária) de Jardinópolis (SP). A fuga também ocorreu após um motim na unidade, que estava superlotada.
Em Mococa (SP), presos atearam fogo em colchões em rebelião ocorrida no dia 30 de setembro no centro de ressocialização da cidade.
A socióloga Camila Nunes Dias, professora da Universidade Federal do ABC, em São Paulo, disse em entrevista à BBC Brasil que o poder público não tem como fugir de uma política de desencarceramento diante do quadro crítico dos presídios brasileiros. Ela também defendeu uma discussão séria sobre a descriminalização das drogas.
Para saber mais sobre a Pastoral Carcerária: carceraria.org.br