Uma história em quadrinhos abre de forma marcante o “Relatório Final do Projeto de Militarização das Favelas: Impactos na Vida dos Jovens Negros e Negras”, realizado com o apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos e parceria da Justiça Global. Lançado no final de agosto, o documento foi elaborado pelo Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro.
Na história, o jovem Henrique, 19 anos, volta para o Morro do Cantagalo após oito horas de trabalho como operador de loja em um shopping. Após uma hora e meia em pé, no ônibus, caminha em direção a sua casa com planos simples para as horas de descanso: comprar um pão e ver a namorada grávida.
Henrique, no entanto, é abordado por um policial que pega seu celular e pergunta:
– Tem apologia aqui?
Em seguida, atira no jovem.
Os quadrinhos, segundo o Fórum de Juventudes, foram baseados em fatos reais. O destino do personagem chama a atenção para o objetivo do projeto do Fórum de Juventudes: desmitificar a pacificação dos territórios ocupados pelas UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) no Rio e incentivar a organização autônoma de jovens por meio de discussões sobre racismo institucional e o atual modelo de desenvolvimento das cidades.
O fim do extermínio da juventude negra, o fim da violência contra a mulher, o fim da homofobia, lesbofobia e transfobia, o direito à cidade, o direito a uma comunicação popular e a desmilitarização do sistema de segurança pública são as bandeiras da organização, que promove ações como a ocupação de ruas e vielas de favelas e periferias para conversar com jovens; festivais; saraus; cursos de formação política e cines-debates.
Não é só a história de Henrique que o relatório menciona. Fala também de Carlos Magno, morto com um tiro na nuca. De Paulo Roberto, espancado até a morte. De Claudia Ferreira, baleada e transportada no porta-malas de uma viatura, pendurada para fora do veículo em parte do trajeto. De Carolina, que ficou com a marca de um chute nas costas. De Zélia, que desistiu das festas em casa porque sua neta foi atingida por spray de pimenta no rosto. Das crianças aterrorizadas pelo barulho de helicóptero. De Marcos, revistado 17 vezes no mesmo dia.
“A militarização dos territórios é alimentada pela lógica bélica que constrói a ideia de que os moradores de favelas, especialmente os jovens, são inimigos que precisam ser eliminados”, diz o documento.
Denúncias
Ao dialogar com os jovens negros, pobres e favelados sobre os impactos da militarização, o Fórum de Juventudes conseguiu identificar e mapear as violações de direitos e as violências específicas contra os jovens negros nas favelas militarizadas e debater os problemas da política de militarização e noções de direitos humanos, com o racismo institucional como orientador do processo.
Os jovens que participaram do projeto têm faixa etária entre 14 e 29 anos. No Rio, o projeto foi realizado na Maré, Complexo do Alemão, Manguinhos, Jacarezinho, Rocinha, Vidigal, Santa Marta, Vila Kenedy, Providência, São Jorge/Campo Grande e Acari. Também foi realizado em Santo Cristo/Niterói, São Bernardo/Belford Roxo e Jardim Primavera/Duque de Caxias e Engenho/Itaguaí.
Situações de abusos econômicos e físicos, violência, pressão psicológica, repressão a festas e outros eventos e censura à comunicação comunitária são descritos no relatório final.
Após o lançamento do documento, o trabalho do Fórum de Juventudes continua. A organização vai criar um aplicativo para celular com jovens negros moradores de favelas e de bairros periféricos. A ideia é construir uma ferramenta que possibilite as denúncias de violações em tempo real.
O Fórum de Juventudes tem um grande desafio pela frente: escolher as organizações para as quais as denúncias serão encaminhadas.
O Fundo Brasil apoia também este projeto da organização.
“O Fundo Brasil potencializa a luta dos jovens negros nas favelas. Não é um mero repassador de recursos, trata-se de um parceiro estratégico para o enfrentamento das violações que nos atigem”, diz Fransérgio Goulart, do Fórum de Juventudes.
Saiba mais sobre o projeto do Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro