Desde os seus primeiros anos, o Fundo Brasil apoia organizações da sociedade civil que enfrentam as violações de direitos humanos decorrentes das grandes obras de infraestrutura no país. São grupos distribuídos por várias regiões do país e que defendem os direitos socioambientais no âmbito dos megaprojetos relacionados ao modelo atual de desenvolvimento econômico e energético.
Um pouco dessa experiência foi levada para o “Seminário Rio de Gente – Os Desafios para a Recuperação do Rio Doce”, realizado nos dias 31/10 e 1/11 em Mariana (MG). O evento foi uma realização do Greenpeace e do projeto Rio de Gente, com apoio da Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP.
No seminário foram apresentadas as primeiras avaliações de estudos independentes financiados pela renda de shows realizados após o desastre de Mariana. Pesquisadores cujos projetos foram selecionados analisaram os danos ambientais e sociais nas áreas afetadas pela lama da barragem da Samarco.
Quando ocorreu a tragédia de Mariana, no dia 5 de novembro de 2015, o Fundo Brasil estava na fase inicial de apoio ao MovSAM (Movimento pelas Serras e Águas de Minas), que realiza a campanha “Água vale mais que minério no Quadrilátero Ferrífero em Minas Gerais”.
O grupo tem como tema central a mobilização da sociedade em torno de um debate que tem como foco a questão da mineração e o fato de que a política de desenvolvimento que vem se fortalecendo no Brasil afeta diretamente o direito das populações à água.
Além da questão da água, populações afetadas por tragédias como a de Mariana são violadas no direito à saúde, terra, trabalho, saneamento, informação e memória. E no direito a um modo de vida que depois de algumas obras e em situações como Mariana perdem de um dia para o outro. Um cenário grave e que levou o MovSAM a produzir o dossiê-denúncia “Sobre ameaças e violações ao direito humano à água no Quadrilátero Ferrífero-Aquífero, Minas Gerais”. O documento é um dos resultados do projeto apoiado pela fundação e que chega agora à fase final.
As consequências do rompimento da barragem de Fundão chamam a atenção do mundo todo para os riscos da mineração e são exemplares dos impactos negativos que os grandes empreendimentos podem ter na vida de comunidades tradicionais e seus territórios.
Desde a fase do licenciamento até o rompimento da barragem, o caso de Mariana evidencia um padrão recorrente no Brasil em relação à mineração e às grandes obras em geral: o desrespeito aos direitos humanos. Lógica essa que não leva em conta questões como a desagregação de laços existentes nas comunidades; a poluição e a contaminação dos rios e dos territórios; a exploração dos trabalhadores e a criminalização dos grupos que rejeitam esse modelo.
Os formatos também são repetidos no que se refere ao processo de mitigação dos danos causados pelos desastres decorrentes desse tipo de negócio. Em Mariana, isso é visível nas negociações individuais para ressarcimento dos afetados pelo rompimento da barragem e na marginalização dos movimentos sociais, por exemplo.
A tragédia de Mariana é emblemática devido a vários fatores, muitos deles expressos em números: o rompimento da barragem provocou o vazamento de 40 bilhões de litros de lama; causou a morte de 19 pessoas; deixou 1.500 desabrigados; e prejudicou a economia e o abastecimento de água em 27 município de Minas Gerais e do Espírito Santo.
No entanto, não é o único desastre recente provocado por projetos econômicos que não levam em consideração os direitos de quem vive nos territórios afetados. O próprio estado de Minas Gerais já sofreu com vários outros desastres, como o rompimento da Barragem de Macacos, em Nova Lima, que causou cinco mortes, degradação ambiental e assoreamento em 2001; e o rompimento da barragem da Herculano, em Itabirito, com três mortes, cursos d´água afetados e prejuízos à fauna e flora.
Em outras regiões, ativistas denunciam riscos e ameaças decorrentes de obras como o complexo Hidroelétrico de Belo Monte, que afeta os direitos fundamentais dos povos do Xingu; enfrentam violações provocadas pela empresa Vale e outras indústrias de mineração; acompanham o licenciamento ambiental de projetos como o Santa Quitéria, de exploração de urânio e fosfato no Ceará; e defendem os direitos dos atingidos por barragens em Rondônia.
Esses são alguns exemplos de resistência às violações distribuídos pelo país. Para o Fundo Brasil, é fundamental fortalecer essas organizações formadas por defensoras e defensores de direitos humanos que precisam ter voz e visibilidade para continuar a luta por mais justiça e igualdade.
Maíra Junqueira é coordenadora executiva adjunta e coordenadora de relacionamento com a sociedade do Fundo Brasil de Direitos Humanos.