“Existem muitos trabalhadores e trabalhadoras com tornozeleira no regime semiaberto. As mudanças climáticas têm alterado o funcionamento das tornozeleiras, tanto no calor quanto no frio. O funcionamento precário da tornozeleira prejudica a contabilização do período em que ele está trabalhando e prejudica com que ele saia do presídio, isso faz com que ele fique mais tempo preso, sendo que já poderia ter saído. As mudanças climáticas afetam determinantemente até a liberdade das pessoas que estão em privação de liberdade”.
O depoimento de Carmen Felippe, da Rede Liberdade, mostra um dos desafios que as organizações da sociedade civil enfrentam em relação à emergência climática. O relato de Carmen foi compartilhado em uma das atividades do segundo Seminário do Labora – Fundo de Apoio ao Trabalho Digno, que aconteceu na cidade de Belém entre os dias 3 e 6 de setembro, e reuniu 61 organizações apoiadas pelo Labora. O tema mudanças climáticas foi o fio condutor das discussões propostas durante o evento.
Na dinâmica sobre conjuntura política, os participantes debateram o trabalho digno a partir de ideias expressas em frases motivadoras. Apenas uma frase foi rejeitada por unanimidade: As mudanças climáticas ainda não afetam a vida dos(as) trabalhadores(as) no Brasil. Todas as pessoas que estavam participando do exercício foram contra a frase.
A equipe do Labora entendeu o interesse das organizações pelo tema de justiça climática e dividiu a programação do seminário entre dinâmicas, oficinas e painéis que tivesse espaço para opiniões a respeito desse assunto. “Nós fizemos um formulário de coleta de demandas para o seminário. Todo espaço que a gente pensa, tentamos refletir nos desejos, nos anseios das organizações sobre o que é que elas querem acumular coletivamente para as suas lutas, para os seus territórios. Lá em cima da lista, estava a pauta das mudanças climáticas, suas conexões com a agenda do trabalho digno e o que é transição justa afinal de contas?”, explica Amanda Camargo, coordenadora de projetos do Labora.
Veja o que pensam as lideranças dos grupos apoiados pelo Labora sobre as mudanças climáticas:
Joadir Lima | Organização dos Seringueiros de Rondônia
“As mudanças climáticas já afetam todos os trabalhadores, mas principalmente aqueles dos campos, das águas e das florestas.”
Maria Abade | Associação da Comunidade Quilombola Engenho da Ponte
“O que a gente pode fazer enquanto comunidades tradicionais? Nossas terras, por lei deveriam ser protegidas, mas estão diretamente atingidas pelas mudanças climáticas. No caso do quilombo, a linha de transmissão e a barragem têm devastado o modo de vida, passando no meio do território e expulsando pelo caminho o povo quilombola. Para mim, enquanto mulher negra pescadora e marisqueira, como eu vou ficar nesse lugar? Se eu não tenho mais os rios e minhas folhas para os rituais? Esse é um modo de expulsar e excluir, e precisamos ver meios de construir. Estamos aqui para encontrar caminhos, para fazer alianças. Estamos falando de COP, mas onde eu, mulher preta e quilombola, entro nesse debate?”
Jarli Ferraz | Grupo de Agricultores Familiares e Extrativistas do Purupuru
“Tem de se estudar um linguajar mais simples para explicar o funcionamento do mercado de carbono, é essencial uma tradução.”
Sandra Bonetti | Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG)
“É mercado e é carbono, porque o mais fácil de calcular é o carbono. Muitas empresas aéreas dão aquele aviso de ‘não deixe rastros de CO2 na sua viagem’, não é que elas deixem de emitir gases, mas que outras pessoas compensam isso. O mercado de carbono, portanto, nada mais é do que uma autorização para poluir.”
Geovana Soares | Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA)
“Em Sergipe, muitos territórios de comunidades tradicionais que são explorados por empresas, sendo que o valor advindo do não uso da terra naquele momento seria pago por meio de royalties. No entanto, esse valor nunca chegou nas comunidades.”
Margarida da Silva | Movimento dos Sem Terra (MST)
“O mundo tem vivenciado essa crise, e temos visto os impactos da agricultura, e os impactos que nós, agricultores, temos vivido nas mudanças climáticas. O agravamento da crise, seja com as enchentes, seja com as secas, tem sido combatido pelo MST com o plantio de árvores e alimentos livres de agrotóxicos. Nós nos propomos a plantar 100 milhões de árvores em 10 anos, até hoje já plantamos 25 milhões em todos os biomas brasileiros. A importância do plano nacional de plantar árvores e produzir comida saudável, num contexto em que passamos por um agravamento da crise sanitária, econômica, social e climática. E nesse contexto, a gente precisa produzir comida para nós, do campo e alimentar nossas famílias, mas também para o povo da cidade, que chegue o alimento de forma acessível. Na pandemia, fomos nós que levamos toneladas e toneladas de comida, com a instalação de cozinhas solidárias nas favelas, nas periferias, para alimentar nosso povo. Então, precisamos reafirmar a importância da agricultura familiar no combate à fome. São as mulheres pretas e periféricas, do campo e da cidade, que sofrem os impactos da crise e da fome. Precisamos nos articular para mitigar a crise ambiental.”