Os estados do Nordeste revezam hoje entre os líderes de maiores índices de violência no país. De acordo com a Altas da Violência 2017, oito entre os dez municípios mais violentos do Brasil estão localizados nessa região. São cidades marcadas por violações de direitos humanos e uma forte reação e resistência da sociedade civil organizada contra essa realidade.
Nesse contexto, o Fundo Brasil realizou na semana passada, em Recife, Pernambuco, uma roda de conversa com ativistas apoiados pela fundação da região e convidados da sociedade civil organizada local. A atividade teve como objetivo discutir como organizações, grupos e ativistas podem articular estratégias de trabalho de base e rede.
Realizada na quarta-feira, dia 8, na sede do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP), a roda de conversa reuniu cerca de 30 pessoas. A equipe do Fundo Brasil que visitou a cidade foi formada por Maíra Junqueira, coordenadora executiva adjunta; Gabriela Santos e Pedro Lagatta, assessores de projetos; e Simone Nascimento, assessora de comunicação.
Esse é o segundo encontro regional realizado pela fundação neste semestre. “Estar em um espaço comum facilita criar oportunidades futuras de parceria e articulações em momento de tantos retrocessos. Nós vamos fazer isso em todas as regiões do país”, contou Maíra Junqueira na abertura do debate.
Em julho, a equipe do Fundo Brasil esteve em Altamira, Pará, para um encontro no Norte do país. Nos próximos meses também serão realizadas atividades nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil.
Como articular estratégias de trabalho de base e rede na atualidade
O cenário do Nordeste foi amplamente debatido durante a roda de conversa, com a participação de representantes do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP); Grupo de Resistência Asa Branca (GRAB); Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH); Associação Comunitária dos Moradores de Pequiá; Cedeca Ceará; Instituto Negra do Ceará (Inegra); Coletivo Antônia Flor; Instituto de Desenvolvimento de Ações Sociais (IDEAS); Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen Bascarán; Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas (RENFA); Marco Zero Conteúdo; além de outros apoiados da fundação e convidados.
“Mais do que o apoio financeiro, esses espaços nos possibilitam encontrar parceiros de vida. Foi a partir de um encontro como esse que a Agenda Nacional Pelo Desencarceramento surgiu. Antes disso estávamos isolados em nossas pautas. Agora que se fortaleceram os retrocessos e ataques, nós nos fortalecemos com vocês”, afirmou Edna Jatobá, coordenadora executiva do GAJOP, que sediou o encontro. O Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares foi apoiado pelo Fundo Brasil em 2016 e contribui com a efetivação dos direitos à segurança e à justiça em Pernambuco.
Conheça mais sobre a Agenda Nacional pelo Desencarceramento
O olho no olho é fundamental
Na abertura da roda de conversa, Wagner Moreira, do IDEAS, falou sobre os desafios postos para os ativistas e movimentos sociais em 2018.
“Começamos com o ano como quando o mar está bravo. No Fórum Social Mundial, enquanto nos articulávamos, recebemos a notícia da morte de Marielle Franco. Na sequência veio uma greve de caminhoneiros e, ainda hoje, na Bahia, o combustível está alto, o direito à cidade não existe, são vários os retrocessos no ano das eleições. Diante desse contexto, estamos aqui para debater o Nordeste como um todo, olhar olho no olho”, disse.
O IDEAS – Assessoria Popular atua na afirmação do direito à cidade, sobretudo por meio da visibilização dos conflitos decorrentes do modelo de desenvolvimento baseado na usurpação do território, da cultura e da vida do povo negro. A organização também foi apoiada em 2015 e em 2014.
Troca de experiências
Em todas as falas estavam presentes a diversidade da região Nordeste e seus pontos de intersecção com as mais variadas realidades brasileiras. Para Diogo Cabral, da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, debater estratégias de trabalho de base deve ser também debater estratégias de proteção.
“Há diversas situações de ameaças contra lutadores e é essencial que no contexto urbano e rural se avalie as condições de proteção dos indivíduos que estão na linha de frente”.
Os desafios são diversos. “O estado do Maranhão é mais ligado à Amazônia brasileira que o restante do Nordeste, nós sempre tivemos um grande número de pessoas mortas por conflitos no campo”, contou Diogo.
A Sociedade Maranhense de Direitos Humanos foi criada em 1979, em um período marcado por graves violações. Rapidamente se tornou espaço de militância e de confluência dos movimentos sociais do Maranhão na luta pela democratização do país.
Durante todo o encontro os ativistas ressaltaram a importância da memória na articulação e fortalecimento dos movimentos sociais no Brasil, sendo uma importante fonte de experiências, que devem ser recordadas e atualizadas para os dias atuais.
A roda de conversa também serviu para que os participantes pudessem compartilhar suas experiências de trabalho em rede, como na fala de Yoná Ferreira, do Centro e Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen Bascarán, que ressaltou a importância da parceria entre os grupos. “Ao longo da história do Centro, nossa estratégia e de nossos parceiros sempre foi realizar denúncias de violações de direitos humanos de forma coletiva”, relatou a ativista.
No encontro também estiveram presentes apoiados pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos no edital de Jornalismo Investigativo e Direitos Humanos. Para os ativistas e os comunicadores, é consenso: a comunicação é uma ferramenta essencial para os movimentos sociais, se fazendo necessário, mais do que nunca, o fortalecimento da mídia independente.
“A gente vê que a lutas precisam ser legitimadas, nossa presença agrega isso de alguma forma. O papel da mídia independente é mostrar que alguém está ali vendo e que vai reportar a sociedade”, ressaltou Laércio Portela, do Marco Zero.
Conheça os apoiados pelo edital “Jornalismo Investigativo e Direitos Humanos”
Durante o debate, os participantes relataram a diversidade da região; os retrocessos nas áreas de direitos humanos; a segregação nas cidades; a violência contra população pobre e negra; o superencarceramento no Nordeste; e a criminalização dos movimentos sociais e aos defensores de direitos humanos.
“O fortalecimento mútuo é a grande estratégia de proteção dos defensores de direitos humanos”, definiu Pedro Lagatta, assessor de projetos, no final da conversa.
Ações de base: 1ª Conferência Popular de Segurança Púbica de Pernambuco
Na mesma semana, o Fórum Popular de Segurança Pública de Pernambuco realizou a 1ª Conferencia Popular de Segurança Pública no estado. O encontro ocorreu sob o Viaduto Capitão Temudo, na comunidade do Coque, na área central do Recife, no último sábado, dia 11.
Organizações apoiadas pelo Fundo Brasil em Recife, como a Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas (RENFA) e o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP) fazem parte da articulação junto a outras 40 organizações locais. A equipe do Fundo Brasil de Direitos Humanos e outras organizações nordestinas apoiadas pela Fundação estiveram presentes na conferência.
O objetivo do fórum é promover a discussão sobre segurança pública junto à população e encaminhar para o poder público as demandas sociais elencadas nos debates. Ao todo foram mais de 40 pré-conferências territoriais, que culminaram na apresentação de propostas nos eixos de Gestão Democrática e Transparência dos Dados; Condições de Trabalho dos Profissionais da Segurança Pública; Prevenção Social; Encarceramento em massa; Gênero, Raça, Classe e Segurança Pública; Política de Drogas; e Violência no contexto de grandes empreendimentos.
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