O momento político, cheio de incertezas, desafios e ameaças, foi um dos principais assuntos debatidos durante roda de conversa realizada em Curitiba (PR) em setembro.
Organizada pelo Fundo Brasil, a roda de conversa reuniu grupos apoiados na região Sul do País e teve o objetivo de discutir como eles têm atuado em rede em tempos de retrocessos contra os direitos humanos, além de incentivar a articulação de estratégias e ações conjuntas.
“Há incerteza e pavor sobre o que pode acontecer, uma mudança brusca no cenário brasileiro”, afirmou Rafaelly Wiest, do Grupo Dignidade. O crescimento do fundamentalismo, na avaliação dela, faz com que o grande desafio seja como manter a mobilização para exercer a cidadania e lutar por direitos.
Também do Grupo Dignidade, Andressa Regina Bissolotti dos Santos disse que diante da onda neoconservadora a maior preocupação é manter os direitos e evitar retrocessos como consolidação da proibição da discussão de gênero nas escolas. Ela citou também a atuação de organizações que tentam impedir o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.
“O momento é de tentar manter os direitos”, afirmou.
Vencer o fascismo nas ruas foi o desafio apontado por Caio Cesar Klein, do Somos – Comunicação, Saúde e Sexualidade. No projeto que o grupo desenvolve com o apoio do Fundo Brasil, Caio cita também a dificuldade de acessar dados públicos sobre o sistema penitenciário.
“As prisões são fechadas, é difícil acessá-las. Muitas vezes os governos não querem que esse trabalho seja feito. E, quando deixam, limitam o acesso”, relatou.
A dificuldade para acessar dados que deveriam ser públicos também foi citado pela jornalista Naira Hofmeister, da agência Fronteira. Ela desenvolve uma grande reportagem sobre os inimigos da Amazônia. Naira ressaltou a importância do apoio ao jornalismo investigativo, ainda raro no Brasil.
O agravamento da situação, com partidos políticos impondo dificuldades, também é sentido pelo IDDH – Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos
“Enfrentar o fascismo e o descrédito tem sido o nosso desafio”, disse Ana Catarina Alencar, representante do instituto.
Outra grande dificuldade é a criminalização dos movimentos sociais, com perseguições a lideranças na luta pela terra e na organização dos trabalhadores do campo.
Representando o Ceagro – Centro de Desenvolvimento Sustentável e Capacitação Agroecologia, Thaili Cristina Lopes Vieira falou na roda de conversa sobre os retrocessos de direitos no campo.
“Enfrentamos uma estrutura agrária conservadora, centralizadora”, lembrou.
Ela citou como exemplo a ação de grandes empresas de agronegócio, que expulsam as populações tradicionais de seus territórios
“A luta é contínua”, reforçou Amantino Sebastião de Beija, da Articulação Puxirão dos Povos Faxinalenses. Os faxinalenses atuam pelo reconhecimento de seus direitos por parte do poder público. “O direito está no papel. E a gente luta pelo direito ao direito. Está no papel, mas na prática não funciona”.
Os faxinalenses enfrentam também a invisibilidade. De acordo com Amantino, existem lideranças que são vítimas de violências e não aparecem nos mapas de conflitos.
Durante a roda de conversa, uma das necessidades apontadas pelos grupos foi a de fortalecer as instituições que lutam por direitos humanos. A assistência jurídica e a litigância estratégica também são apontadas como necessidades para todas as organizações.
Comunicação
A presença de jornalistas apoiados pelo Fundo Brasil por meio do edital “Jornalismo Investigativo e Direitos Humanos” estimulou a discussão sobre as táticas de comunicação para enfrentar as violações.
A atuação da imprensa conservadora, por exemplo, é vista como um estímulo à criminalização dos movimentos sociais. Outro ponto é a dificuldade de acesso para divulgar a importância dos direitos humanos.
Nesse sentido, José Lázaro Barros Jr., do Livre.jor, um dos grupos apoiados pelo Fundo Brasil, defendeu a criação de um “caldo comum” para a defesa dos direitos humanos, como uma forma de dar visibilidade ao tema.
Também propôs uma reflexão sobre o que é imprensa, lembrando que existem profissionais progressistas até mesmo em veículos conservadores. Ou seja, existem nuances e também a necessidade de analisar quando é importante tentar divulgar questões em veículos de grande alcance.
“Não posso me fechar ao diálogo com os outros veículos”, disse.
Para ele, é importante não tratar a imprensa como algo estático, acreditando que todos os jornalistas não se interessam por direitos humanos.
Rafaelly, do Dignidade, contou sobre incidência feita pelo grupo junto à imprensa, inclusive com a divulgação de um manual de comunicação para que as publicações não sejam preconceituosas.
Durante o debate, Gabriela Santos, assessora de projetos do Fundo Brasil, falou sobre a importância das conexões entre os grupos para que uns gerem subsídios para os outros e, dessa forma, todos sejam fortalecidos.