A advogada especialista em direito socioambiental Ana Valéria Araújo, que tem mais de 20 anos de experiência na questão indígena e dirige a fundação Fundo Brasil de Direitos Humanos, diz que o governo Lula deve negociar o quanto antes a retirada dos produtores de arroz da Reserva Raposa Serra do Sol. Ela avalia que o impasse pode ter desfecho pacífico, se a Polícia Federal agir com eficiência e o governo “fizer o que tem de ser feito”. “Se houver negociação rápida, colocando os pingos nos is”, pondera.
Em entrevista à TV Estadão (www.estado.com.br), a advogada comentou que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender a operação da PF não indica futura posição favorável aos arrozeiros. Ela entende que foi uma “decisão cautelosa”, com objetivo de “dar tempo para que o governo tome as medidas necessárias e negocie com o governo estadual para que se restabeleça a ordem e a lei em Roraima”.
Ana Valéria lembra que o próprio ministro do STF Carlos Ayres Britto – que suspendeu a operação da PF – havia negado em 12 de março pedido dos rizicultores para impedir a desocupação. O problema, avalia a advogada, é que o governo demorou demais para acionar a PF: “Deu tempo para que se criasse uma situação que de fato margeia um conflito.”
HISTÓRIA
“Roraima, na verdade, é brasileira por causa dos índios”, registra Ana Valéria, remontando ao período em que a Inglaterra reivindicou parte do território de Roraima para a Guiana, sua colônia, por volta de 1904. O impasse, mediado pela Itália, foi resolvido graças ao então advogado da causa brasileira, Joaquim Nabuco, que citou a presença dos índios como argumento favorável ao País. “O que mais pesou foi a conversa com os índios, que atestaram que queriam ser e se consideravam brasileiros.”
A especialista no tema rejeita a tese de que destinar os 1,7 milhão de hectares aos índios possa se tornar um problema de defesa nacional, como sugeriu o comandante do Exército na Amazônia, general Augusto Heleno Ribeiro Pereira. Para ela, o que há é uma “campanha e uma resistência muito grande por setores militares e de antiindígenas”.
Ana Valéria rebate, também, a versão de que seria “terra demais” para os índios. “60% de Roraima não é terra indígena. 60% é mais ou menos a soma da extensão dos Estados do Rio com o Espírito Santo. Isso com uma população muito menor do que 1 milhão de pessoas. De que conflito fundiário falamos?”
Por fim, ela comenta que o Brasil se contradiz ao atuar nas forças de paz no Haiti ou pleitear uma vaga no Conselho de Segurança da ONU: “Quer arbitrar conflitos reais e mundiais, mas não consegue resolver um conflito entre 6 arrozeiros e 18 mil índios no seu território.”