Wellington Soares, de Nova York, especial para o Fundo Brasil
A implantação de turbinas para a geração de energia eólica é uma das principais apostas para a transição energética brasileira, mas também um pesadelo para as comunidades rurais. O barulho das turbinas é tão alto que tem afetado a saúde mental dos moradores do entorno. Além disso, o valor pago pelo arrendamento das terras onde as turbinas são instaladas é baixo, e a promessa de empregos no setor elétrico não se concretizou. “Temos plena consciência de que a transição energética é importantíssima para conter as mudanças climáticas, mas isso também tem impactado muito os agricultores e as comunidades tradicionais”, afirmou Marisa Alves da Silva, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Agricultores e Agricultoras Familiares de Piatã, no interior da Bahia.
A fala de Marisa foi parte da mesa “Trabalhadores Liderando no Clima: Brasil e Estados Unidos”, que reuniu sindicalistas dos dois países para discutir como os trabalhadores podem atuar de maneira mais intensa nas discussões sobre mudanças climáticas e transição energética. O evento foi realizado em parceria por Climate Jobs National Resource Center, Climate Jobs Institute, DIEESE, Solidarity Center e Labora – Fundo de Apoio ao Trabalho Digno, e aconteceu no dia 27 de setembro, durante a Semana do Clima em Nova York.
Os participantes da mesa destacaram como os trabalhadores em diferentes indústrias são altamente impactados tanto pelas mudanças climáticas quanto pelas soluções propostas para substituir a energia gerada pela queima de combustíveis fósseis (petróleo e carvão) por fontes mais limpas, como a energia eólica e solar. “É importante que a transição para uma economia mais sustentável e descarbonizada seja uma transição justa”, afirmou Lara Skinner, diretora executiva do Climate Jobs Institute da Universidade Cornell e mediadora do debate. “É necessário que os trabalhadores e suas organizações estejam na vanguarda de uma transição justa, e isso deve emergir das pessoas que estão nos locais de trabalho, que os entendem melhor do que ninguém”, completou.
A negociação coletiva dos trabalhadores foi mencionada como um dos mecanismos mais efetivos para mitigar o impacto das mudanças climáticas nas pessoas. Sonia Mistry, diretora de Justiça Climática e do Trabalho do Solidarity Center destacou uma pesquisa que mostrou que, em locais onde há sindicatos, o estresse térmico dos trabalhadores pode ser reduzido em até 50%. ““Para acelerar a ação climática, precisamos de um movimento trabalhista com plenas condições de apoiar na entrega de uma visão de justiça climática que esteja profundamente conectada com os direitos e com o bem-estar dos trabalhadores e das suas comunidades.”
Outro ponto destacado durante a abertura do evento foi a importância da filantropia apoiar o trabalho realizado pelos sindicatos. “As trabalhadoras e os trabalhores são os principais e primeiros impactados pelos efeitos das mudanças climáticas, nas cidades, nos campos, nas águas, nas florestas, sobretudo as mulheres, sobretudo a população negra e indígena”, destacou Amanda Camargo, coordenadora de projetos do Labora, Fundo de Apoio ao Trabalho Digno.
Também participaram Miriam Cabreira, presidente do Sindicato dos Petroleiros do Rio Grande do Sul, Ana Georgina da Silva Dias, supervisora regional da Bahia do DIEESE, Lenore Friedlander, diretora executiva do Climate Jobs New York, e Andrés Puerta, diretor de projetos especiais da International Union of Operation Engineers (IUOE).
O impacto das mudanças climáticas no trabalho
Enquanto o evento acontecia em Nova York, os estados da Flórida, Carolina do Sul, Carolina do Norte, Geórgia, Tennessee e Virgínia enfrentavam a passagem do furacão Helene, um dos mais letais da história dos EUA. Durante a tempestade, engenheiros recém-sindicalizados trabalharam para garantir o funcionamento das bombas de água que combatiam as enchentes no estado. “Um deles teve que dormir no trabalho após trabalhar 16 horas seguidas, tentando bombear a água da baía, que estava cheia. Ele dormiu no trabalho, levantou e continuou bombeando água para fora do sistema de tratamento para evitar que fosse invadido pelas águas externas”, contou Andrés Puerta.
Parte da discussão recaiu sobre como os eventos extremos ampliam desigualdades de renda, raça e gênero. O furacão Sandy, que atingiu Nova York em 2012, levou à criação do Climate Jobs Institute. “Desde então, ficou claro que as comunidades trabalhadoras, especialmente as comunidades não brancas, são mais afetadas e têm mais dificuldade para se recuperar de eventos climáticos extremos”, destacou Skinner.
Fora do contexto urbano, o calor extremo e as mudanças no regime de chuvas também impactam profundamente os trabalhadores rurais e os agricultores familiares. “Antes, sabíamos o mês certo para plantar nossos grãos. Hoje, com as mudanças climáticas, já não sabemos quando vai chover ou quando vai fazer sol”, afirmou Marisa.
Segundo os painelistas, os efeitos das mudanças climáticas devem ser parte das reivindicações dos trabalhadores e das negociações coletivas com o poder público e os empregadores.
Desafios da transição energética
As negociações coletivas são fundamentais para que a transição energética seja justa. A substituição dos combustíveis fósseis por fontes de energia mais limpas deveria, em tese, vir acompanhada de um plano para a criação de novos empregos com bons salários e condições adequadas de trabalho, o que nem sempre acontece.
No Brasil, a região nordeste é a mais impactada pela geração de energia eólica e solar, devido à abundância de sol e vento. “A desigualdade acabou sendo um facilitador para que a instalação de empresas de energia renovável fosse vista como uma salvação, não só no sentido ecológico e energético, mas também como uma oportunidade de gerar empregos e melhorar a qualidade de vida. Infelizmente, isso não tem se concretizado”, afirmou Ana Georgina Dias, do DIEESE.
Entre os problemas estão a desertificação do solo nas áreas de instalação de placas solares, contratos abusivos de arrendamento de terras e a discrepância na quantidade de empregos gerados durante a construção e a operação das plantas de energia. “Quando os parques eólicos e fotovoltaicos são implementados, os empregos permanentes gerados são poucos, entre 20 e 30 postos. Já durante a construção, esse número pode chegar a 3 mil”, explicou Ana Georgina.
Atuação dos sindicatos
Nos EUA, a International Union of Operation Engineers promove negociações coletivas para mitigar a perda de postos de trabalho entre as fases de construção e operação. A proposta é a criação de Acordos de Trabalho de Projeto (Labor Project Agreements), em que as empresas se comprometem a manter um número mínimo de postos de trabalho mesmo após o fim da construção. “Esses acordos abrem grandes oportunidades para garantir que os trabalhadores sejam treinados, sindicalizados e ganhem bons salários, com benefícios, para suas famílias. Isso é algo que as empresas prefeririam evitar, mas conseguimos garantir juntos”, afirmou Puerta.
No Brasil, o diálogo entre o sindicato dos trabalhadores do petróleo e o governo também é destacado. Segundo Miriam Cabreira, as organizações sindicais finalmente estão podendo dialogar com o poder público, algo que não ocorria entre 2016 e 2022. A principal demanda é que a Petrobrás tenha um papel de protagonismo na discussão da transição energética no país. “A Petrobrás tem caráter nacional e pode desenvolver projetos para reduzir as desigualdades regionais”, afirmou.
A troca de experiências entre os participantes fortaleceu o diálogo, que deve se aprofundar nos próximos meses, com uma visita ao Brasil em 2025 pelo Climate Jobs Institute.
O objetivo da cooperação é fortalecer as organizações sindicais nas reivindicações ligadas às mudanças climáticas. “Quando há consenso entre os movimentos trabalhista, ambiental, social e da juventude de que a origem do problema é a ganância corporativa, é possível criar um movimento muito maior pela sustentabilidade, comprometido com a criação de bons empregos”, defendeu Lenore.