O documentário “Nossos Mortos Têm Voz”, produzido com o apoio do Fundo Brasil, tem narrativa construída a partir dos depoimentos e do protagonismo de mães e familiares de vítimas da violência de Estado na Baixada Fluminense.
Adriano Moreira de Araújo, ativista do Fórum Grita Baixa, conta em seu depoimento as dificuldades de enfrentar essa realidade difícil e ameaçadora.
Este é o sexto depoimento da série #Defensorxs, realizada pelo Fundo Brasil e publicada no site e nas redes sociais.
Confira:
O Fórum Grita Baixada é uma instituição sediada em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro.
A gente trabalha na mobilização, articulação e incidência política no campo dos direitos humanos. Particularmente em relação às altas taxas de homicídios que são históricas na Baixada Fluminense.
Uma das primeiras formas de atuação minha foi na Pastoral Operária, que é uma organização da Igreja Católica que articula militantes na discussão sobre trabalho e, depois, fazendo Ciências Sociais e Sociologia fui cada vez mais me aproximando das mobilizações populares no Rio de Janeiro e, depois, particularmente no campo da violência. Coordenei vários projetos sociais e fui cada vez mais me aproximando desse universo.
Estamos sempre trabalhando no planejamento do trabalho que vai ser desenvolvido na semana e no mês; a gente busca fazer uma articulação das diferentes equipes vinculadas ao Fórum Grita Baixada – atuamos em núcleos de direitos humanos que a gente vem constituindo. Fazemos um trabalho de avaliação e monitoramento desses grupos. E pensando as estratégias, principalmente nesse contexto de violência. São estratégias que precisamos pensar muito bem para não colocar em risco nem a equipe nem as pessoas com as quais a gente vem trabalhando.
Por exemplo, uma das nossas estratégias é que algumas denúncias possam ser feitas na questão da violência do Estado. Muitas vezes essas denúncias não podem ser feitas da forma que a gente imagina. Então temos que negociar isso com os atores envolvidos. Isso tudo a gente discute periodicamente com a equipe que está lá na ponta do projeto.
A gente tem um ambiente marcado pela atuação de grupos de extermínio e milícias.
Como nossas atividades são públicas, nossa equipe fica vulnerável também a essa situação. Um outro desafio que a gente tem é como chegar mais próximo da juventude, essa juventude que é mais vulnerável, em relação à nossa linguagem, metodologia de trabalho. Então isso tem representado um desafio. Como não ficar restritos a alguns espaços onde já temos grupos de trabalho – como chegar a outras periferias da Baixada Fluminense, como chegar a outros grupos vulneráveis.
É uma violência que é basicamente banalizada. Agora, há pouco tempo, foi dado na imprensa local que um guarda municipal do Rio de Janeiro que mora em um município da Baixada Fluminense chamado Japeri. Ele estava desaparecido – segundo o que foi contado, ele foi levar um amigo em uma favela, teria sido confundido com policial militar, foi sequestrado e mataram ele e o corpo apareceu num rio que tem lá. Nesse mesmo rio tinha outros três corpos. Então a notícia foi porque ele era um guarda municipal do Rio, mas onde o corpo dele foi encontrado tinha mais três corpos.
Tivemos recentemente uma informação, que não tivemos como confirmar, que numa atuação do Bope, nessa mesma cidade, aproximadamente 35 pessoas teriam sido assassinadas. Foi uma festa de uma facção criminosa e o Bope apareceu e executou as pessoas que estavam presentes. Só que isso não apareceu na grande imprensa – o que apareceu na página oficial do Bope foram cinco pessoas mortas. Tivemos a informação de que corpos foram deslocados para vários hospitais para dificultar a comprovação das informações.
Essa é uma rotina muito grande na Baixada Fluminense. Chacinas que acontecem quase diariamente e não aparecem na televisão, não aparecem nos grandes jornais. Isso obviamente é um desafio porque implica em medo, em controle social, em pessoas que ganham a eleição e prometem e ganham capital político a partir desse trabalho com a questão da violência e da segurança. Para nós isso representa um desafio muito grande.
Conseguimos o apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos e o projeto é um documentário que está sendo feito com mães e familiares vítimas da violência. Infelizmente, a cultura é de que bandido bom é bandido morto. E essas violências, por serem naturalizadas, são vistas como justificativas sociais.
Queremos contar essas histórias das mães e familiares e levar isso para que seja objeto de discussão para escolas públicas e cineclubes. Para a gente levar esse debate e essa discussão para a Baixada Fluminense – atravessado pela questão do racismo, pela questão de classe. Para que a gente possa, de fato, promover um debate junto à sociedade, junto aos gestores, sobre essa questão da violência.
Então, poder contar com esse apoio é de vital importância não só para produção em si do documentário, mas na sua divulgação, na circulação que a gente pretende.
Entrevista concedida a Cristina Camargo e Simone Nascimento